12 de dezembro de 2010

Vladimir Safatle e Maria Inês Nassif

Wilson Gomes disse certa feita, no seu tuíter – imensamente recomendado –, que Fernando de Barros e Silva é seu colunista favorito na Folha. Não sei se posso interpretar favorito como melhor ou se se esse “na Folha” quer dizer que ele tem outros favoritos que escrevem em lugares diferentes. Mas, se me fosse permitido fazer todas essas estrapolações, eu, humildemente – mesmo não havendo dúvida que ele entende do assunto muito mais do que eu –, me veria obrigado a discordar.

Para mim, as terças e as quintas são os dias em que escrevem os dois mais lúcidos colunitas do país: Vladimir Safatle, na Folha, e Maria Inês Nassif, no Valor, respectivamente. (Uma nota: como os textos do Valor estão disponíveis apenas para assinantes, basta consultar o blogue de seu irmão, Luís Nassif, para ler sua coluna semanal.)

10 de dezembro de 2010

É triste, mas devo uma a Ann Coulter

Há exatamente uma semana, me deparei – não sei como – com o blogue da Cleycianne. Nele dei de cara com um post intitulado “Como descobrir se seu namorado é homossexual passivo!”, no qual a blogueira comenta “as coisas que acontecem na internet com uma visão cristã”. Um dos conselhos que dá para as “mulheres angustiadas” em saber sobre as preferências sexuais dos namorados é o seguinte:

- Sabe[r] todas as coreografias da Lady Gaga, Britney Spears e Sapatonna.

24 de novembro de 2010

Se não for solipsista é o quê?

Depois Pogrinho vem reclamar que eu ando abusando da palavra “solipsismo”, mas como é que dá pra gente entender o que anda se passando com a direita brasileira sem se valer dela? (Isso, claro, sem contar todo o colorido erudito que ela dá ao post, né?)

19 de novembro de 2010

Não entre! Cão bravo!

É verdade que eu sou um cara obsessivo. Às vezes com uma coisa, às vezes com outra, não importa, tenho sempre algo que simplesmente não me sai da cabeça. Tentei fazer, nessas pouco mais de duas semanas desde o fim das eleições, uma espécie de retiro: política, só a que envolvia diretamente ao meu trabalho, injustificadamente atrasado. Mas devo confessar que não consegui. Via, em cada leitura que fazia para a tese, passagens que me remetiam a esse momento histórico que tanto o Brasil quanto os EUA estão vivendo: um avanço pesado de um pensamento, bem pensada a expressão, radicalmente conservador.

12 de novembro de 2010

Refletindo a liberdade de expressão

Achei muito interessante a discussão que apareceu nos EUA sobre o fato de a Amazon.com estar vendendo o "simpático" livro eletrônico: "The Pedophile's Guide to Love and Pleasure" (que aparentemente está fora do ar, pelo menos procurei há pouco e não achei, com grande chance de ser devido a incompetência minha). Após receber críticas, a Amazon manifestou que não deixaria de vender o livro sob o argumento de que é censura não vender um livro só porque eles ou outros acham que o conteúdo é questionável. E complementaram dizendo que não apoiam práticas criminosas, mas apoiam o direito de qualquer indivíduo decidir o que vai comprar.

10 de novembro de 2010

A primeira mulher…

Até que ponto o fato de Dilma ser mulher é importante? Influenciou nos votos? Marco histórico pra igualdade de gêneros no país? Ou, como já tenho ouvido, não significa nada, pois o eleito foi Lula? Olhem esse videozinho da Folha:

6 de novembro de 2010

Racismo, xenofobia ou o quê?

Sobre o assunto, umas tuitadas de @willgomes:

- "Especialistas ouvidos pela Folha..." divergem sobre se os tweets de ódio a nordestinos são racismo. Razão: nordestino não é uma raça

- Mas não é porque raças não existem q o racismo também não existe. Foi o racismo quem inventou as raças . Cronologicamente, 1º veio o racismo

- Ué... e raça existe? A Folha não sabe, mas faz tempor que a genética provou que não existem raças de humanos. Quem tem raça é cachorro.

- O racismo é o ódio dirigido a outros grupos com base em traços físicos e origem. Para fins de discriminação, os traços/origem viraram raças.

5 de novembro de 2010

Combo severino

É interessante que, na cobertura internacional, o “caso Mayara Petruso” seja tratado enquanto uma questão de racismo. Como eu estava conversando com meu amigo Rodrigo Barreto, o rótulo “nordestino” vai bem mais além. É uma espécie de combo dos preconceitos: de uma vez só, vai contra pobres, imigrantes e quem quer que não seja “branco” (as aspas é porque estamos no Brasil).

Enquanto isso, a Folha deu capa pro assunto, apenas depois de alguma chancela oficial: a OAB-PE pedir pro MPF investigar. E com a esquisitíssima manchete “Ministério Público investiga se aluna foi racista na web”. Mais uma vez, apenas a questão do racismo. Honestamente, fiquei sem saber se a manchete se referia mesmo a esse caso.

3 de novembro de 2010

Judicialização e o Rodeio de Gordas

Não coube como comentário em resposta ao post de Felipe "Mainardi na Safernet", então abro um novo.

O fenômeno da judicialização é um tema que me aflige bastante. Justamente por isso não comentei o post na hora que li, pretendia escrever com mais calma, mas como meu papel aqui é tomar porrada, vamos lá.

Parece-me muito evidente, quase inconstetável, essa tendência de judicialização dos mais variados aspectos da sociedade. E vejo muito pouca reflexão sobre o assunto. Até que ponto cabe ao Estado interferir e decidir sobre o comportamento das pessoas em detrimento da autorregulação? (perdeu o hífen, né?)

O boi de piranha e o tragicômico jornalismo da Folha

Pois é, pegaram mesmo Mayara Petruso pra boi de piranha. Dessa vez, foram atrás até do escritório onde a moça estagiou:
O escritório Paixoto e Cury Advogados, de São Paulo, demitiu a estagiária e estudante de direito Mayara Petruso.

A assssoria do escritório se nega a dizer quando e o motivo pelo qual a jovem foi demitida.
O que me incomoda nessa história não é que a responsabilizem legalmente pelo que ela fez. Muito pelo contrário. Acho justo e necessário. O que me incomoda é que, ao personalizarem o ocorrido, aquelas manifestações racistas deixem de ser tomadas como um grave problema social – este é um discurso bastante difundido – e passem a ser vistas como culpa de uma única pessoa.

Esse é um blog xenófobo

Esse é um blog xenófobo. Não só arroguei-me a honrosa (e até agora inconteste, porém sub-utilizada) função de boi-de-piranha, como pretendo fazer sistemáticas e contundentes denúncias contra esse blog vermelho. A primeira e talvez mais séria de todas é que esse é um blog xenófobo e preconceituoso (pleonasmo?). A sigla 3c1p nada mais significa que “#CríticasContraCariocasePaulistas”. Os leitores que por azar e desprazer conhecem as pessoas doentias que idealizaram esse blog bem sabem que são uns #nordestinos e #retirantes que, além de virem pra São Paulo votar errado e prejudicarem o bom funcionamento da locomotiva do Brasil, são invejosos que vivem a criticar e reclamar do povo do sul (o erro grosseiro de geografia nacional básica é deles, não meu). Fiquem atentos! Safernet neles!

Desculpa, mas o senhor falou comigo?

Passei dois dias distantes da internet para provar pra mim mesmo que não estava viciado em notícias. Pois bem, mal voltei, dando uma passada de vistas em tudo o que eu havia perdido, me deparo com um texto de Paulo Bornhausem, líder do DEM:
E é urgente também entender o alarme que o brasileiro deu aos políticos e governantes do país.

O brasileiro é religioso e dá muito valor a isso. É conservador e forma sua família por essa régua.
Embora não ache que ele esteja, de modo geral, errado, queria muito saber de onde vem essa generalização. Muitas das reações ao baixo nível dessa campanha vieram de uma parcela da sociedade, de cujo tamanho não tenho sequer idéia, que é bastante progressista.

Talvez o problema da oposição seja exatamente esse: continua falando apenas pra quem veste sua farda. Depois o DEM não sabe porque anda perdendo votos aos montes.

2 de novembro de 2010

Mainardi na SaferNet

Aproveito a onda de denúncias à SaferNet Brasil sobre as porqueiras tuitadas recentemente pra lembrar de um caso. Diogo Mainardi, chorando a falta de critério de O Globo no aumento do número de seus colunistas, que incluíam Nizan Guanaes e Caetano Veloso, soltou das suas esculhambando os baianos.

Mandei o texto pra averiguarem se era caso de xenofobia. Recebi um código de acompanhamento, que até hoje não traz informação alguma. Isso foi em 31 de maio deste ano. (Tá, levei o sujeito bem mais a sério do que merece, mas foi até um jeito de testar o recurso).


Atualizações sobre #nordeste ou #nordestisto

A história que circula é de que as mensagens de preconceito no Twitter contra o Nordeste ganharam espaço a partir de uma mensagem de uma estudante de Direito paulista chamada Mayara Petruso. Ela teria criado a tag #nordestisto, que aparentemente é só um erro de digitação mesmo. Não sei como fizeram pra chegar até aí. O fato é que a sujeita já excluiu o tweet, mas não adiantou, porque capturaram a mensagem na tela (viva os nerds!). Ela pediu desculpas no orkut dizendo que não tem “problemas com essas pessoas” e que “errar é humano”. Aham.

Além do Correio do Povo (AL), linkado acima, li matérias no Diário de Pernambuco, em A Tarde (BA), no Correio da Bahia e no portal Terra. O primeiro afirma que o MP de Pernambuco já está fazendo algo a respeito, e a OAB-PE pode encaminhar pedido de investigação ao MPF no estado.

1 de novembro de 2010

Crônica apressada de almoço em São Paulo

Estamos entre o bairro da Aclimação e o da Liberdade. Sento pra almoçar numa mesa com seis lugares, vazia. Começo a comer seguindo a primeira dieta metódica que tento na vida: 1/4 do prato proteína, outro 1/4 carboidrato, e a metade restante, salada.

Chegam dois homens e uma mulher. Um mais gordinho e de óculos, que obviamente não segue minha dieta (nem minhas inclinações políticas, logo se verá), outro magro, todo penteado. A moça, loira, aquela cara de boa funcionária. Todos nos seus quarenta, devem trabalhar em alguma empresa ou hospital por aqui.

- Vou colocar na mesa do Zé Roberto um mapa da eleição. Da Bahia pra cima, Dilma. Esse é o Brasil que dá certo, ahá -diz o que não preenche a metade do prato com leguminosas.

Lula: culpado!

Ruy Fabiano é que está certo. Vejam só no que Lula transformou a sociedade brasileira, que antes de 2003 era um mar de compreensão, tolerância e respeito:


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@jrbarbassaRubão!

Meu voto é seu. RT: @LuizaFearless Ainda vou me candidatar a presidente. E a primeira coisa que farei é jogar uma bomba no Nordeste. ADEUS!

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@romariuk_Romário Dias

31 de outubro de 2010

Olha só os outros, mas que inferno!

Chega ao fim, daqui a pouco, a pior campanha política desde 1989. E não fui eu quem disse, que não me lembro sequer da 1993. Foi Luiz Nassif em um dos seus tuítes. Goste ou não dele, o cara está cobrindo política há séculos.

Nesse momento, a Veja posa, mais uma vez, de vestal da democracia brasileira.

“Mas por que um assunto distante das discussões relativas ao futuro do país marcou o segundo turno de forma tão presente, enquanto programas de governo simplesmente desapareceram? Para cientistas políticos ouvidos pelo site de VEJA, o “fenômeno” retrata o vazio da campanha deste ano, especialmente no segundo turno.

29 de outubro de 2010

Uma idiotice + uma idiotice + uma idiotice + … = ?

Futorologia, já dizia Celso de Barros, é um exercício fundamental pra qualquer eleitor: no fundo, a gente acaba escolhendo um candidato ao invés do outro, porque criamos um futuro no qual seus feitos serão mais proveitosos, individual ou socialmente, do que os do seu adversário. Mas futurologia é uma coisa, o que este vídeo faz é outra completamente diferente.

28 de outubro de 2010

O peso de uma bolinha de papel

É com muito pesar, mas eu devo dizer que discordo de Felipe, uma das pessoas mais sensatas que eu conheço. (Se não a mais. Quer dizer, talvez a única.) Pois bem, já tinha lido, não me lembro onde, algum comentário dele, que andava meio impressionado com a proporção do caso da bolinha de papel que acertou a cabeça de Serra no Rio de Janeiro. Numa das nossas trocas de email, ele voltou ao assunto: “Impressionante é que isso tenha virado objeto de debate.”

Pois eu discordo, meu caro. Agradeço aos céus – está na moda a gente fazer a média com a Igreja – que isso tenha ocupado o espaço que ocupou, pois eu acho que ele ilustra perfeitamente o que tenho sido a cobertura política da nossa mídia nativa desde 1989 – não que eu tenha algum conhecimento mais aprofundado sobre o assunto, são apenas impressões – e sua incapacidade de acompanhar as mudanças do país e dos meios de comunicação.

A escolha de 1989 é óbvia. Hoje é mais do que conhecido o papel que as grandes corporações midiáticas – a Globo em particular – tiveram no resultado da primeira eleição direta depois de mais de duas décadas de ditadura: para ficarmos em dois exemplos, a atribuição do seqüestro do empresário Abílio Diniz a militantes do PT e a edição tendenciosa que o JN mostrou do último debate do segundo turno.

Não sei se exagero ao dizer que as eleições de 89 foram mais um passo no lento, gradual e seguro processo de abertura política: primeiro, um colégio eleitoral elegeu, em 1985, por voto indireto, Tancredo Neves presidente da república. Depois, no que deveria ter sido um processo democrático e pluripartidário, a vontade popular – uma coisa que sempre foi vista com desconfiança, da qual o “Ficha-limpa” é só mais um exemplo (lincaria aqui o excelente texto de Wilson Gomes sobre o assunto, mas como o blogue dele só vive raqueado, paciência) – foi novamente posta em suspenso: agora não era mais a arbitrariedade de um regime de exceção que ditava as regras do jogo, mas , sim, os interesses de uma minoria que, como um pai zeloso, estava certa de que somente ela sabia o que é melhor para o país. (E parece ainda estar.)

Mais de vinte anos se passaram, e os grandes meios de comunicação continuam tratando seus consumidores como se nós fôssemos Homer Simpson. Uma comparação duplamente ofensiva: primeiro, porque não vejo como Homer pode servir de modelo de qualquer coisa para alguém; segundo, porque, ao menosprezar nossa capacidade interpretativa, William Bonner tenta nos vestir uma carapuça que já vem mal-ajambrada desde a confecção: seríamos, segundo o âncora do JN, “pais de família, trabalhadores, protetores, conservadores, sem curso superior, que assistem à TV depois da jornada de trabalho.”

O problema é que o tempo do pensamento único que se travestia de consenso parece ter seus dias contados. (Eu acho que a falta de rumo da campanha de Serra tem muito a ver com isso. Até hoje os tucanos não entendem porque lhes falta adesão se eles são obviamente tão melhores.)

E o caso da bolinha de papel, nesse sentido, é exemplar. Primeiro, outros meios de comunicação já conseguem uma certa autonomia em relação à pauta política da Globo, como foi o caso da matéria do SBT. Segundo, parece haver se invertido a lógica da comunicação, de acordo com a qual os grandes meios decidem o que e o que não é notícia. Em questão de horas uma informação – falsa ou não – se espalha com uma tal facilidade por uma ferramenta como o Tuíter que a Globo se vê na obrigação de “prestar contas” das informações que veicula. (Uma tag como #globomente chegou aos primeiros lugares dentre os trend topics internacionais, o que nenhum meio de comunicação pode mais se dar ao luxo de ignorar.) Terceiro, a facilidade de acesso a equipamentos eletrônicos faz com que qualquer internauta mais interessado no assunto possa por à prova o que foi veiculado, como foi o caso do professor da UFSM, que desconstruiu Ricardo Molina, o especialista do JN.

Acontece que, ao mesmo tempo em que cresce a disponibilidade e o interesse pela pluralidade de pontos de vista, nossa mídia nativa continua acorrentada à velha idéia de infalibilidade do jornalismo. (Uma idéia sem a qual, é bom que se diga, os meios de comunicação ficariam mais vulneráveis à noção de que toda informação é politicamente enviesada, o que poria por terra a pretensa imparcialidade sobre qual assentam boa parte do seu capital simbólico.) No mesmo dia em que saiu a notícia de que o Brasil atingiu índices de desemprego inacreditáveis – Idelber fala que é o menor da história da República –, a Globo se viu obrigada, por causa de um bando de desocupados, a dedicar sete minutos do seu principal telejornal para tentar provar que ainda é a única detentora da capacidade de informar a verdade dos fatos.

Contudo, ao que parece, fizeram uma bolinha de papel com a folha do calendário que marcava eternamente 1989. Protejam suas cabeças.

21 de outubro de 2010

Resposta a Ricardo Lins Horta

Vou postar agora o último email que eu enviei pra Rodrigo (estranhamente sem ofensas pessoais). Achei o título que eu dei pretensioso, porque embora esteja comentando um artigo dele muito bem fundamentado, minha ideia não é esgotar o assunto (por falta de tempo e falta de conhecimento). São apenas minhas opiniões sobre o texto.

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Discordo de um monte de coisa escrita no artigo. Infelizmente agora não consigo acessar todos os links, mas minha impressão geral é:

O tópico 1 (aparelhamento do estado) soou coerente (e contrário a uma ideia firmada que eu sempre tive). Teria que avaliar os dados e gostaria de ouvir alguém de opinião contrária que pudesse argumentar mais solidamente do que eu posso, já que não conheço os meandros desse tipo de informação.

Os tópicos 2 (combate a corrupção), 3 (política econômica) e 4 (instituições democráticas) estão bem deturpados.

Em geral atribuem ao governo do PT méritos que não são do governo do PT, como a limpa interna da PF, já que as operações de investigação interna e a mudança de postura começaram na era FHC. Aliás, os petistas durante muito tempo diziam que a "PF é tucana" coisa que sempre achei um absurdo (eu pensava "os caras perseguem criminosos e o PT diz que são tucanos, isso é quase como dizer q seu adversário é honesto e vc não, isso não faz sentido"). Outro exemplo, o decreto contra o nepostismo do governo federal que ele aponta como sendo uma iniciativa do governo do PT contra a corrupção. Esse decreto é de junho de 2010!!! Ou seja, veio bem depois de o STF, que nada tem a ver com o governo, ter afirmado categoricamente que o nepotismo é vedado em todos os poderes (e teve aquela brigaiada no senado e o Lula vergonhosamente curvou-se ao PMDB apoiando o Sarney no escândalo do nepotismo).

No tópico 2 ele só tem razão ao afirmar que é muito difícil medir corrupção. Eu juro que concordo com a afirmação de que houve menos corrupção no governo Lula do que no governo FHC, mas não atribuo isso ao governo do PT, ao contrário, acho que houve menos corrupção apesar do governo do PT. E digo apesar porque o PT, em todos os escândalos de corrupção que pipocaram perigosamente perto do palácio do planalto, adotou estratégia de negar a existência ou negar conhecimento. Manter a imagem (ainda que acobertando caras pegos em flagrante) sempre foi mais importante que investigar e punir. Atribuo a diminuição da corrupção a um amadurecimento da sociedade brasileira, apesar da postura do presidente que sempre fez pouco caso pra isso.

No tópico 3 ele também deturpa as coisas. Usa um argumento meio infantil de que "nem sempre foi assim no governo FHC", ok, é verdade, mas o tripé econômico do segundo mandato o que foi? Os fundamentos econômicos do segundo mandato FHC que ele aponta foram integralmente mantidos na era Lula. São os mesmos fundamentos. As demais ações, que o PT tem mérito sim por ter conduzido, são ajustes finos. Expansão de crédito, aumento de reserva, taxa de crescimento maiores e criação de emprego são consequências dessa política econômica, não medidas que foram tomadas pelo governo Lula e não foram tomadas pelo governo FHC. No esforço de dizer que a política econômica do Lula não é uma continuidade do governo FHC (argumento bobo, na minha opinião, pois em política o importante é a implementação, não a autoria das ideias) ele acaba se encurralando sozinho e deixa evidente que é verdade que a política econômica do Lula foi continuidade da política do econômica do FHC (mérito de ambos).

No tópico 4 ele "esqueceu" das interferências do governo nas agências reguladoras. É inócuo defender que o governo Lula não é uma ditadura. Não é, evidentemente, nem conseguiria ser (acho, espero). O que se tem que analisar é a postura do governo em temas polêmicos, tanto objetivamente, quanto a postura adotada. E o que me incomoda no governo Lula e muito mais na Dilma (e no Serra também) é a postura, a arrogância de acharem que o Estado deve não só regular os mais variados temas, mas que eles são mais capacitados para decidir qualquer coisa. O governo Lula reiteradamente usou a máquina pública para imiscuir-se em decisões totalmente privadas. Os grandes fundos de pensão são geridos politicamente (com p minúsculo), os caras interferem no comando de empresas privadas importantes (a ingerência na presidência da Vale foi foda). A política de empréstimo do BNDES evidencia decisões pouco consistentes (frigoríficos gigantes, oligopolistas, que estavam quebrados, receberam uma enxurrada de grana do BNDES, enquanto vários menores não conseguem se alavancar). E o maior escândalo do governo Lula, na minha opinião, foi o caso da Br-Oi, na qual mudaram a legislação, interferiram em agência reguladora (tiraram conselheiro que já tinha manifestado opinião contrária e botaram outros pra votar como eles queriam), deram um caminhão de dinheiro subsidiado, tudo sob a pueril justificativa de "criar uma supertele de capital nacional". O que eles fizerma foi enriquecer muito alguns poucos amigos próximos. Nem a justificativa da supertele nacional se sustenta mais, já que a empresa foi vendida pra invetidor estrangeiro (o que era totalmente previsível à época). Considero esse o maior escândalo não sob o aspecto estritamente moral (dinheiro na cueca é muito mais emblemático e divertido), mas porque houve um ataque institucional, oficial, a instituições democráticas. E o pior, tudo evidente, todo mundo sabia que era pra beneficiar um pequeno grupo e ficou por isso mesmo.

Esse é, sem dúvida, o ponto mais subjetivo e o ponto que eu mais tenho reservas em relação aos nossos candidatos. E falo no plural porque o perfil do Serra é bem parecido nesse aspecto. Não me sinto minimamente representado por nenhum dos dois.

No tópico 5, infelizmente, tenho que concordar com o texto. A campanha de Serra está sendo baixa (vergonha alheia pela bolinha de papel) e, ainda que se possa atribuir parte do terrorismo a terceiros, sem dúvida ele está alimentando isso e se aproximando dos setores mais conservadores da sociedade. Se a Dilma assumisse o que pensa e adotasse claramente a bandeira liberal, com todas as reservas que tenho pra ela, ela teria meu voto. Só que ao invés de defender seus ideais, o que ela faz? Assina a tal da carta retrógrada (que confesso não ter lido). Mais um motivo para não me sentir representado por esses candidatos que estão ai.

Inauguração

Então tá. Peço licença para apresentar o mais novo (e até onde sei, o primeiro) boi de piranha desse blog: eu mesmo. Inspirado em nossos debates por email, meu amigo Rodrigo fez um convite para contribuir nos debates aqui. Como nós normalmente discordamos de quase tudo quando o assunto é política, ele quer é alguém pra bater publicamente. Em parte por pura vaidade e em parte pelo prazer de debater com meu amigo, estou me submetendo a ser achincalhado.

Apesar disso, ou justamente por isso, acho que mereço o privilégio de alguns poréns antes de começar (embora já tenha começado sem saber que ia começar, pela malandragem de postarem um email meu aqui).

Primeiro, eu não sou comunista, nunca achei o comunismo (o de verdade) bonito, não concordo com o nome do blog ou suas cores. Segundo, nunca votei no PT, ao contrário, mas tento ser racional nas minhas opiniões políticas. Terceiro, não tenho nenhum tipo de filiação ou vinculação partidária, tenho algumas poucas simpatias no mundo político, mas por ordem puramente ideológica, nenhum interesse pessoal direto. Quarto, não me considero uma pessoa politizada, nem acompanho de perto o mundo político, leio as coisas que me chamam à atenção sem nenhuma sistemática e acho que sou precipitado em formar minhas próprias opiniões, mas formo ainda assim, com esforço de tentar ser coerente e mudo de opinião de vez em quando. Quinto, como infelizmente não tenho o tempo que gostaria pra dedicar-me à pesquisa na hora de postar, meus posts serão escritos de chofre, respostas às provocações, logo a maior parte das minhas afirmações virá sem referência, ficando sujeitas a contestação e eventual comprovação (mas juro que não pretendo mentir). Essa ressalva também vale pra revisão de texto, combinado? Sexto e por último (que isso já está enchendo a paciência), estou profundamente desiludido com as alternativas de presidente que nos restaram, mas meu voto ainda vai para o Serra (embora com uma convicção muito menor que no começo das eleições, quando já não era grande).

Pra resumir: minhas palavras aqui não têm nenhum compromisso com nada, exceto com minhas próprias opiniões e uma lealdade intelectual que tento manter. Aceitei o convite na crença de que a oposição de ideias pode ser útil pra quem acompanhar o blog (alguém lê de verdade?), mas se não for útil, que pelo menos seja divertido.

Ah, uma última ressalva importante. Eu gosto muito de xingar meus amigos e tenho uma certa predileção por ofender Rodrigo. Aqui vou tentar ser educado, mas não garanto nada nesse sentido. No fundo, acho que ele trouxe o debate pra cá porque não estava conseguindo responder meus vitupérios à altura.

20 de outubro de 2010

A resposta de verdade (parte 1 de 3)

(Primeiro, peço desculpas a Pogrinho pela publicação do email. Percebe-se que foi um texto escrito de supetão, sem mais maiores preocupações. Mas, como ainda assim, é algo que está acima da média do que tenho lido – à esquerda e à direita –, vale uma resposta que ao menos tente estar a sua altura. Vamos lá…)

Boa parte da sua indignação com Lula está no fato de que ele faz o que você define como crítica genérica e abstrata à imprensa. Se eu entendi bem o que você quer dizer, falta, às falas do presidente, alvos específicos e exemplos concretos, o que daria peso às suas colocações. Até aí tenho que admitir que concordo com o que você diz.

O problema é que, desse fato, você tira uma conclusão que me parece precipitada: que isso é acaba por flertar com o autoritarismo. Primeiro, acho o exemplo que você traz para ilustrar seu argumento – o caso da Venezuela – particularmente fraco. As críticas de Chávez à imprensa do seu país podem ser tudo, menos genéricas e abstratas. Você se esqueceu que, em 2002, Chávez, um presidente eleito por vias democráticas, sofreu um golpe de estado, no qual o papel da imprensa foi fundamental?

Isso sem contar um outro problema no seu exemplo: o caso venezuelano me parece demasiadamente complexo pra ser tomado assim, maniqueistamente. Além de uma ambigüidade intrínseca à figura de Chávez, há, em volta dele, todo um universo de desinformação até mesmo porque tudo o que nos chega dele vem mediado por uma imprensa que lhe é visceralmente contrária. (O filme War on democracy, panfletário em muitos sentidos, traz os bastidores desse processo.) E não acho que aqui cabe o argumento de que uma imprensa livre não pode compactuar com um presidente que usa de meios democráticos como os plebiscitos para se perpetuar no poder. Não vi ninguém choramingando, quando Álvaro Uribe, presidente colombiano mais próximo a uma política de fundo liberal, mudou a constituição para poder concorrer à reeleição em 2006 e, principalmente, quando tentou isso de novo esse ano. O que demonstra o predomínio de um certo conceito muito particular do que é ou do que não é democracia na imprensa latino-americana de um modo geral.

Em seguida, você aponta as razões para que o presidente se manifeste de modo genérico e abstrato: frouxidão ou vontade de silenciar um pensamento diferente. Primeiro, um medo  que põe em xeque o próprio teor da crítica não pode ser, já que você mesmo diz lá no seu email que “[e]xemplos não faltam. Dá pra processar a Veja toda semana.” Tampouco creio que seja um modo de silenciar as dissidências. Veja, por exemplo, o que o governo FHC fez durante seu mandato com a CartaCapital, uma revista que nunca rezou sua cartilha? Essa censura de fundo econômico – corte de publicidade federal – é muito mais eficaz e silenciosa. E, ao que me consta, o governo Lula anuncia mais na Veja do que na CartaCapital, que o apóia abertamente.

Além disso, as duas explicações que você dá são politicamente bastante enviesadas, pois não permitem saídas mais positivas da ação de Lula, que, a seu ver, ou é frouxo ou é autoritário. No entanto, considero que parte desse caráter genérico e abstrato das críticas do presidente aos meios de comunicação não pode deixar de levar em consideração um dado dos mais importantes: quem veicula suas críticas de Lula à imprensa é… a própria imprensa. Não há no Brasil um grande jornal de circulação diário de esquerda como há, por exemplo, na Argentina – o Página 12 –, que possa servir de contrapeso a um ponto de vista mais liberal. (Exceção feita à CartaCapital, que todos sabem como é tratada pelo resto dos meios de comunicação.) E o que impera nos jornais e revistas brasileiros é um jogo de comadre bastante hipócrita: na hora de se solidarizar frente às ameaças de um governo autoritário, todos os meios fazem parte de um conjunto muito nobre chamado de “imprensa livre”; mas na hora de criticar abertamente os abusos de cada veículo específico – e exemplos não faltam, basta a gente ficar na demissão de Maria Rita Kehl – prevalece um silêncio sepulcral. E é exatamente esse contexto social específico que impede que críticas específicas e concretas possam ser feitas de maneira aberta. (A internet tem tentado cumprir esse papel, mas lembre-se de como os blogues contrários à grande imprensa são chamados. Isso sem contar seu alcance, muito mais limitado.)

E, talvez porque seus argumentos vão enfraquecendo com o correr do texto, você acaba caindo num lugar-comum que, além de reproduzir o que você tanto critica – é genérico e abstrato – não é verdadeiro. Quando e onde você ouviu Lula ou qualquer outro membro do governo falando em “controle da mídia”? Num país em que Marcelo Madureira, Reinaldo Azevedo e Diogo Mainardi falam o que querem, na hora que querem, como bem querem do principal mandatário da nação, democraticamente eleito, eu me pergunto: que diabo de controle ineficaz é esse?

Por fim, você traz à tona, em duas ocasiões, FHC, ambas, a meu ver, problemáticas. Primeiro como um elogio à conduta democrática do mais ilustre sociólogo da nação (depois de Candido e Schwarz e Chico de Oliveira e…), que não interferiu na sua sucessão. Meu caro, se FHC não interferiu na sua sucessão não foi por falta de vontade, mas de oportunidade (seu ego só não é maior do que o de Lula). Com os índices de popularidade com que terminou seu segundo mandato, ele não esteve nas campanhas de Serra (2002 e 2010) e de Alckmin (2006) simplesmente porque seus correligionários queriam ver um dono de clínica de aborto estuprador de freiras, mas não o então presidente. E certamente não foi por apreço democrático – e não é que ele não o tenha –, mas porque o próprio FHC o colocou em suspenso, quando optou por mudar a Constituição (você se lembra se alguém disse que ele tinha uma sede desmedida de poder por causa disso?) para concorrer a mais um mandato. (E se há alguém que teria apoio popular para levar à frente um projeto de terceiro mandato – o que foi proposto por alguns imbecis, inclusive do PT –, esse alguém era Lula. E o seu respeito pela regularidade do processo ninguém parece levar em consideração.)

E, na outra referência a FHC, você concorda com uma crítica que ele faz a Lula:
"Na medida em que o presidente quer eliminar um competidor, liquidar, ele tem poder total. É autoritarismo isso. É uma tremenda vontade de poder, que se expressa dessa forma incorreta. Um presidente da República não pode fazer isso.”
(Bem, no que concerne ao uso da máquina pública pra fazer campanha política, não me resta nada a não ser me ajoelhar no milho e pedir perdão ao nosso senhor José Serra. Contudo, não consigo evitar a tentação de lembrar que, para que fosse eleito, FHC segurou artificialmente a paridade entre o real e o dólar – alegrando a classe média que então podia ir às compras toda semana em Miami –, quebrando o país no processo. Você se lembra se alguém reclamou?)

O problema da crítica de FHC não é a crítica em si, mas seus argumentos. Primeiro, um presidente da República que mudou as regras do jogo enquanto o jogando a um custo de não-se-quantos mil reais por congressista (fiquei com preguiça de procurar) vir me falar de vontade de poder e do que um presidente pode ou não pode fazer é duma hipocrisia quase do tamanho do seu ego.  Isso sem contar que ele descontextualiza a frase de Lula sobre a eliminação do DEM – excessiva, é verdade –, mas que tinha, como você gosta, um alvo específico e um motivo concreto: Jorge Bornhausen (não achei uma matéria do período).

Nesse sentido, pra mim, que quando jovem aprendi a mesma coisa sobre autoritarismo, não está nada claro que o grupo no poder queira eliminar qualquer fonte de crítica. Acontece que eu cresci e aprendi a distinguir, também, que um pensamento único disfarçado em pelo de cordeiro pode ser um risco muito maior à democracia. (Talvez tenha sido 1964 o ano que não terminou.)

Resposta a Pogrinho (parte 1 de 3)

Pois bem, começo agora uma série de três respostas – acho que são três mesmo, se for menos ou mais, mudo o título depois – que fiquei devendo a um grande amigo, Paulo Henrique Gomez, o homem que gostaria de ser chamado de “El Pogre”, mas que é conhecido em alguns pubs da Bela Vista por Paulo G.

Publico primeiro o email dele, que já não era tão particular mesmo – isso sem contar que, como bom leftista, ando violando a torto e a direito a correspondência sigilosa dos amigos –, e, como diria o mestre Reinaldo Azevedo, volto em seguida.

Email de 27 de setembro de 2010:

Concordo em princípio com o que você diz. Acho sim que a imprensa no Brasil é hipersensível, em parte por razões históricas (a memória da ditadura ainda é recente) e em parte porque é conveniente ser hipersensível (permite esconder partidarismos e fraudes intelectuais sob o manto da liberdade de imprensa).

O problema é que essa hipersensibilidade não tira o caráter absurdo de um manifesto genérico contra a "imprensa golpista" que está "castrando o voto popular". Acho totalmente razoável e, mais que isso, desejável críticas concretas a cada nota da imprensa que a pessoa, grupo ou partido julgue ofensivo, tendencioso, mentiroso etc. Exemplos não faltam. Dá pra processar a Veja toda semana.

O problema é a atitude típica de generalização e abstração de conteúdo. Exatamente o que foi feito pelos grupos que organizaram a passeata e o que vem sendo feito reiteradas vezes pelo Lula. Essa crítica genérica e abstrata à imprensa, principalmente quando vem de autoridade que tem o poder de delimitar a liberdade de imprensa, é um flerte perigosíssimo com o autoritarismo. E exemplos também não faltam. Ou vc não lembra da escalada de critícas genéricas à imprensa na Venezuela? Ou vc acha que lá é um país democrático e acha razoável e/ou coincidência fecharem todos os grandes veículos de mídia que não eram alinhados ao Governo Central? Aquela imprensa golpista!

Essa crítica genérica, abstrata, só pode ter duas explicações, ao meu ver: ou é frouxidão (medo de sofrer processo pela crítica que está fazendo àquele veículo determinado, o que já põe em dúvida a própria certeza de quem está criticando), ou é ação pensada pra descredenciar ou, em última instância, silenciar quem tem opinião diferente.

Esse ato e as palavras do Lula são muito mais severos, mais socialmente danosos, que qualquer dos comentários que vc transcreveu (mesmo o do Reinaldo Azevedo, que eu considero uma besta enfurecida). Quando o Presidente fala que "é um absurdo que alguns jornalistas falam e isso precisa ser controlado" ele está pavimentando o caminho para controle de opinião, ideia que ele já manifestou e defendeu mais de uma vez no passado. Quando um ex-presidente, que não está em campanha, que teve uma atitude de mínima interferência quando estava no poder e seu sucessor concorria, critica o presidente atual que tem um nível de interferência absurdo (ou vc não concorda que o Lula está escancaradamente fazendo campanha pra Dilma há uns seis meses, pelo menos) diz que o uso da máquina e da sua popularidade para eleger o sucessor, com poderes para esmagar o concorrente, é autoritarismo, isso é crítica a um comportamento determinado, não um atentado a uma instituição democrática.

Não concordo com a hipersensibilidade da imprensa, mas que está claro o interesse do grupo que hoje está no poder de eliminar fontes de crítica (que quando eu era mais novo aprendi isso como autoritarismo), pra mim está.

18 de outubro de 2010

E agora, Dilma?

Eu me considero, ao menos em termos políticos, uma pessoa pragmática, e o meu último post não me deixa mentir sozinho. Mas, mesmo sabendo que política não se faz com boas intenções, assim como tampouco pode ser apreciada pela pureza ideológica tão propalada pelos seus atores, não entendi o debate de ontem.

Primeiro, além de ter sido visivelmente chato, minha conexão estava péssima – não sei se por culpa da internet de que dispunha ou do número de acessos –, o que só tornou tudo um tanto mais insuportável. Mas, como dever cívico é dever cívico, estava lá, firme e forte.

Contudo, de todo o debate, o que mais me chamou a atenção foi: que diabos aconteceu com a Dilma da semana anterior? O que aconteceu com sua assertividade, que resgatou a sua campanha do limbo à qual o segundo turnou a levou e que deixou Serra visivelmente perdido? Marketeiros? Opinião pública? Ela própria? A quem se deve imputar a culpa dessa nova inflexão?

Não sei se ficou claro pra mais alguém, mas, na minha opinião de pseudo-analista político, está óbvio que Dilma funciona melhor quando dá vazão a um seu lado mais combativo. E, quando digo melhor, penso em todos os sentidos: seu raciocínio fica mais ágil, e ela consegue se colocar diante de Serra com mais facilidade – é só ver a ótima tirada do orelhão vs. banda larga do debate passado, que ela deixou passar nesse –; suas idéias, por incrível que pareça, ficam mais claras e suas fala, mais articulada – ontem, a Dilma serena se deixava enrolar por um tom que, a meu ver, não a agrada nem a favorece. Isso sem contar a idéia de espontaneidade.

O meu medo é que, ao menos aparentemente estancada a sangria de votos, o PT retorne à estratégia do primeiro turno: uma pretensa comparação racional de dois projetos políticos que, por si só, seria capaz de convencer o eleitor de qual foi o melhor dentre os dois oito anos – o de Lula ou o de FHC. (Uma estratégia que, embora pareça acertada – vide mais uma aprovação recorde do governo –, está assentada numa matemática que não fecha: os 80% de Lula significam, hoje, "apenas" 54% para Dilma.*) O problema é que, como bem disse Idelber Avelar, o terreno da fala serena e macia é de quem pode, pois já traz consigo uma hierarquia implícita, isso sem contar que, apesar dos avanços do PT, um discurso mais tecnocrata e apartidário, não mencionado o que traz de falacioso, ainda é um terreno mais confortável para o PSDB.

A ver o que acontece.
___________
* A idéia é de Valter Pomar, mas eu ainda não achei o link.

15 de outubro de 2010

Um passo atrás foi dado, resta saber quais serão os próximos

Hoje a esquerda brasileira sofreu uma das mais ridículas derrotas da sua história: Dilma assinou uma carta na qual se curva completamente à agenda conservadora e homofóbica das Igrejas Católicas e Evangélicas. O resultado, claro, foi um desânimo entre todos nós, eleitores históricos da esquerda exatamente por ela ter mantido sempre uma pauta mais progressista. E, como se não bastasse, um grande amigo, dos que mais admiro e respeito, com toda a razão, se indispôs comigo.

Ele está tão correto que, à primeira vista, nos resta catar as sobras da festa adiada e, na saída, pedir que o último apague a luz que é pra economizar energia. É verdade, os héteros não temos idéia do que deve ser viver num país homofóbico e das conseqüências dessa violência cotidiana para a vida de uma pessoa. Nesse sentido, como Felipe bem falou, ter que assumir publicamente uma postura conservadora para ganhar as eleições mina, sem dúvida, as reivindicações de qualquer causa mais progressita.

É verdade. É verdade, mas eu, hoje, não me sinto no direito de pular fora da campanha do PT por causa desse recuo. E o que é mais triste, me explico como quem pede desculpas, mas me explico assim mesmo.

Tenho, à minha frente, duas opções: na manhã de 1 de janeiro de 2011 vou acordar governado por José Serra ou Dilma Roussef. E, como não me é dada nenhuma outra possibilidade de escolha, é em um dos dois que vou depositar minhas esperanças pros próximos quatro anos, muitas das quais sairão frustradas, mas não todas – ao menos assim espero.

E algumas das minhas esperanças passam pela concretização das demandas do movimento gay, que hoje sofreu um abalo terrível. Me resta, contudo, duas perguntas. Seriam José Serra e seu vice, Índio da Costa – o mesmo que disse que se o PL 122 for aprovado só haverá liberdade de expressão para os gays – as melhores lideranças para pôr pra frente uma pauta de respeito aos direitos civis dos homossessuxais? Seria o PSDB e o DEM, hoje assentados no colo da TFP, do Ternuma, da banca ruralista e das Igrejas Católicas e Evangélicas, os partidos mais indicados para mobilizar a sociedade civil em prol daquelas causas? Eu não tenho dúvida de que não.

É verdade que hoje Dilma se vendeu ao diabo ao assinar aquela bendita carta, mas, ainda assim, penso que somente num seu governo essas propostas teriam a chance de ganhar fôlego. Primeiro porque, historicamente, o PT tem sido um dos partidos mais comprometidos na luta contra a homofobia – basta lembrar os avanços do PNDH 3 e que o PL 122, que o vice do DEM tanto critica, é de autoria de uma deputada petista, Iara Bernardi (PT-SP). Segundo porque, numa possível presidência de Dilma, os canais de diálogo desses movimentos com o governo seriam mais fáceis do que numa gestão do PSDB-DEM, dois partidos ensimesmados no mundinho encantado da Folha e da Veja e agora vigiados pelos grupos conservadores aos quais teve que se unir para chegar onde chegou.

A concessão me decepcionou, mas não me parece ser essa a hora da ruptura. E não romper, na minha opinião, não significa deixar em segundo plano a agenda dos direitos dos gays, como se ela fosse menos importante. Não romper significa, isso sim, não ter uma postura ingênua, segundo a qual as boas intenções e as verdades absolutas são as únicas possibilidades de defesa das causas que precisamos fazer andar. Se ignorarmos o contexto do país – machista, homofóbico, conservador – vamos ficar eternamente batendo a cabeça na parede sem movê-la do lugar. Prefiro me enlamear numa carta aos brasileiros, como a de Lula em 2002, que significou um recuo frente às principais demandas econômicas da esquerda, mas que tirou mais de 30 milhões de brasileiros da pobreza. Prefiro me envergonhar que Dilma seja eleita assinando uma carta estúpida como aquela, mas que, ao fim do seu mandato, possamos olhar pra trás e perceber que aquele recuo foi importante para que avanços mais significativos e mais duradouros pudessem ser implementados. Avanços esses que, se nós nos prendermos à pureza ideológica, jamais seremos capazes de concretizar. Ilusão e idealismo não melhoram a vida de ninguém.

Encerro parafraseando e mudando uma frase do NPTO: “O que eu realmente queria era que todo mundo que acompanhou essa luta de vinte anos amanhã fosse votar pensando que, de besteira em besteira, de crise em crise, de decepção em decepção, [PODE DAR] CERTO, PORRA!

13 de outubro de 2010

Os diversos significados de agressividade

Espero que essa história absurda do aborto assumir um papel tão importante na campanha presidencial tenha sofrido um abalo com o – quase – impecável editorial do Estadão de segunda. (Por que  será que Reinaldo Azevedo não recomendou sua leitura?) Ali é exposto, sem meias palavras, todo o obscurantismo da situação: assumi-lo como uma forma de chegar à presidência significa fazer um pacto com o que há de mais conservador na sociedade brasileira. Gostaria muito de que a classe média, a qual gosta de se ver como esclarecida e moderna, arejasse o ambiente e relegasse esse debate para o lugar que lhe é devido: uma discussão mais ampla entre diversos setores da sociedade civil, as instituições que lidam diretamente com a questão e os setores religiosos. (Infelizmente isso ainda parece vai levar algum tempo pra acontecer como se percebe por essas duas matérias da Folha: aqui e aqui.)

Infelizmente, o Estadão não radicaliza seu argumento, pois isso significaria criticar diretamente a José Serra, candidato que abertamente, o que é muito bom, apóia. Serra incorporou o discurso pró-vida de tal forma que, às vezes, ele quase me soa como se fosse o porta-voz do Vaticano. Agarrou-se a essa idéia – me pergunto se sem medir suas conseqüências? – como uma maneira de tirar votos importantes de Dilma entre os setores evangélicos, compostos, em sua grande maioria, das camadas mais pobres da nossa sociedade, um eleitorado, ao menos em tese, mais propenso a optar por uma seqüência do governo petista.

(Resta mesmo saber se foram esses setores os grandes responsáveis pela surpreendente ascensão de Marina. Rezo pra que não tenha sido, o que mostraria um certo grau de amadurecimento da democracia brasileira.)

Contudo, o que mais me chamou a atenção foram as reações à direita (Lamounier, Kramer, Azevedo e Constantino) em relação à postura de Dilma no debate da Band. Há uma certa deslegitimação do tom – chamaremos de agressivo, só pra ficar dentro desse universo semântico –  assumido pela candidata petista no último domingo. Num certo sentido, o que a direita comemora é uma aposta no sentimento de repulsa que a boa e velha cordialidade brasileira – aqui entendida no seu sentido mais prosáico – sempre sentiu em relação a uma discussão mais contundente.

O problema para essa direita é que, se a sociedade brasileira estiver mesmo passando por um conjunto mais profundo de transformações por que parece, a agressividade de Dilma pode deixar de ser lida como ruptura com um decoro subserviente, passando a incorporar o tom de reivindicação de que uma minoria ascendente precisa se valer para disputar um lugar ao sol que até então lhe fora negado.

Assim, a “verdadeira” Dilma – “hostil”, “deselegante”, “emocionalmente despreparada”, “violenta, “destemperada”, segundo os olhos daqueles analistas –, que se revelou a todos na noite de domingo, assume ao menos uma das características que as elites mais temem naqueles que lhes contestam os lugares que julgam seus por direito: a capacidade de erguer a cabeça, impostar a voz e dizer, num tom que se faça ouvir, que, para subverter as hierarquias construídas ao longo de muito tempo, é necessário, antes de tudo, se impor. (Será que eles sentem saudades do poste?)

Em tempo, na entrevista que O Globo fez com Carlos Araújo, ex-companheiro de Dilma, a imagem que nos surge é, se não oposta, completamente divergente no juízo de valor.

12 de outubro de 2010

Nada como uma noite mal dormida para corrigir uma injustiça

Meu problema com as noites mal dormidas não diz tanto respeito ao sono perdido. (Quer dizer, como bom baiano, claro que diz. Mas sono perdido eu já consigo recuperar sem maiores culpas.) O mais chato é ficar rodando na cama com uma idéia fixa na cabeça.

Pois bem, lá pras tantas, quando já não conseguia mais dormir, a idéia que mais me perseguia era a de que havia cometido uma injustiça com meu amigo Renato. Usei-o como mote para escrever algo que precisava dizer a mim mesmo. Disso não me arrependo. Me arrependo, isso sim, de não lhe ter dito que seus emails mais delirantes são, pra mim, algumas das melhores coisas suas que li: fáceis, inteligentes, criativos,  instigantes, engraçados. Muitas vezes – quase todas talvez fosse ainda mais honesto – esses seus emails me faziam pensar – e querer produzir uma resposta à altura – de um jeito que seus outros textos, mais bem acabados, não me faziam.

Injustiça corrigida. (Será que eu consigo dormir de novo?)

Um mea culpa pra instigar a culpa dos outros

Queria escrever sobre a recepção do dabete de ontem, mas dois emails de um grande amigo me fizeram mudar de idéia. Aproveito, então, para responder – e provocar – abertamente a Renato, que há quase dois meses, quando instigado por mim a disponibilizar neste blogue alguns dos emails que trocamos, escreveu (e peço desculpas pra postar algo privado, mas provocação é provocação):
"Ah, porque nem sei não. No emeio primeiro rola mais espaço pra delírio, o que levaria à lona a minha credibilidade em público, no blogue".
(E como a crítica que faço a Renato é a mesma que faço a mim, passo à primeira pessoa.)

Tenho um sério problema – na verdade, tenho vários, mas como já gastei fortunas de psicólogo, fico em apenas um –, o meu ego é esquizofrênico: ele é, coitado, ao mesmo tempo, inflado e  murcho. A questão é que, ambos os egos, mesmo quando um consegue prevalecer sobre o outro, acabam me levando para um mesmo lugar: o silêncio.

Me explico: quando meu ego está mais inflado, me sinto na obrigação de escrever, como Renato diz, artigos de fundo; artigos cuja capacidade seria a de ir além do rés-do-chão da política cotidiana, desvelando uma característica mais estrutural sobre o tema a que me dedico. E como, até hoje, não fui capaz de escrever nenhum artigo assim, me encolho mesmo quando me sinto intelectualmente capaz. (Quanto ao ego murcho, é mais do mesmo.)

O problema é que, com o desenrolar dos acontecimentos políticos no Brasil, me sinto na obrigação de começar a intervir. Resta saber como. Este blogue sempre foi um exércicio de escrita restrito a poucos amigos, lido por menos gente ainda. E me parece que esse não é bem o tempo de continuar a brincar de escrever.

A solução que eu pensei para poder me tornar mais atuante foi a de embarcar na onda das correntes de email. Mas, ao invés de ficar apenas repassando coisas pra cima e pra baixo, gostaria de ter um público alvo bem específico: a) a lista amigos de classe média alta de meu irmão – que, além da quantidade considerável, são, mais das vezes, conservadores e politicamente pouco atuantes –, b) a lista de emails de minha mãe – que, embora me pareça mais progressistas, pode contar ainda com uns indecisos cujo voto é importante – e, por fim, c) minha própria família – um clã onde há de tudo um pouco e muito de nada. (Não vou ser hipócrita de dizer que sou capaz de escrever para um público mais amplo, porque, ainda que quisesse, não sou. Esse é meu cadinho, e é atrás desses votos que eu pretendo ir.)

Mas, nem bem comecei, e meu ego já me boicotou. Esbocei um email cheio de razão, com números e argumentos que me pareciam incontestáveis. São os velhos resquícios da minha ilusão iluminista, a de que, com um bom texto, vou ser capaz de esclarecer a mente dos incultos e mostrar-lhes o caminho. Cada vez mais tenho pra mim que já passou da hora de descer do pedestal. O exercício, agora, não deve ser mais tão pretensioso. Tenho que abrir espaço pro meu próprio delírio, dar vazão a uma escrita menos centrada na minha vaidade de analista, mesmo que isso custe uma credibilidade que julgo ter, ainda que não saiba frente a quem.

Espero que esse post seja um primeiro passo.

11 de outubro de 2010

E agora, José?

Não vou mentir que, logo quando começou o debate da Band, pensei no clima de derrota que tomou parte da esquerda, quando os resultados das urnas não foram os esperados. Dilma estava completamente perdida. O tom era mais agressivo, como parte da sua militância vinha pedindo, mas o conteúdo era inarticulado. Já Serra, político de tantos debates, parecia ter o completo controle da situação. Sereno, confiante, sua fala saía com uma naturalidade que fazia jus à sua tão propalada experiência.

Mas talvez tenha sido esse o seu erro: excesso de confiança. O mantra tantas vezes repetido ao longo desse ano eleitoral – o de que é um candidato cuja biografia é tão mais completa que fala por si mesma –, subiu à cabeça do ex-governador de São Paulo. É bem verdade que não houve empáfia, mas a estratégia de manter o tom sereno de político calejado que não elevaria a voz porque isso é coisa de gente sem argumento não ajudou muito a Serra.

Dilma, então, conseguiu inverter o jogo exatamente no momento em que parecia cair na gaiola tucana. Ao apostar num tom enfático, ela, primeiro, se descola completamente da idéia de poste político de Lula. Espero que tenha ganhado confiança suficiente para começatr menos nervosa o próximo debate. Segundo, mostra-se indignada com os rumos grotescos que a campanha política tomou. Foge a uma determinada postura que me incomodava há tempos: a de que não lhe dizia respeito se o mundo lá em baixo estava pegando fogo. Terceiro, anima a militância, um tanto estremecida depois do primeiro turno.

E, mais importante, pautou a próxima semana: voltou reiteradas vezes ao aborto – jogando a mulher de Serra no fogo, que ele deixou queimar sozinha –, além de colar-lhe a pecha de condutor das privatizações da era FHC, da qual ele vai ter que correr como o diabo da cruz. (Incrível, mas o homem chegou a falar em reestatização, o que é uma heresia para os profetas do livre mercado que tanto o defendem. Fico imaginando se a Veja daria uma capa com um polvo do PSDB afundando uma plataforma marítima?)

Parece ter voltado à mesa, com mais força, o plebiscito que Lula tanto queria. A campanha do PSDB já sinalizava que FHC não seria mais estigmatizado como fora. Ótimo para o PT, e Dilma valeu-se muito bem dessa postura. Serra parece não mais querer escondê-lo, mas, na hora das comparações, não pode se colocar como um homem de oposição acirrada, de mudança de rumos, o que cria um discurso que me soa um tanto esquizofrênico. Espero que a campanha de Dilma se aproveite, como ela fez muito bem essa noite, ainda mais dessa encruzilhada tucana.

20 de setembro de 2010

Caetano e a extirpação do DEM

Muitos, entre eles Caetano Veloso, criticaram declaração recente de Lula de que o DEM deveria ser extirpado (pra quem não leu, segue abaixo o artigo em que Caetano reafirma declaração feita a uma rádio de Santo Amaro).
Pra mim Lula falou isso do DEM porque queria provocar os adversários a atacá-lo, o que nesse eleição é garantia certa de esparro, até em SC. A mesma coisa ele fez com ACM na eleição passada, chamando-o de ratazana - e aliás o expediente funcionou maravilhas, e Wagner ganhou quando ninguém acreditava nisso. 
Eu não vejo nada na história de Lula que indique a vontade de extirpar outras forças políticas. Nem antes nem durante a presidência. Isso eu já vi na história do DEM e de seus antepassados (por exemplo, na Bahia).
Tirando que tenho minhas dúvidas se a vontade de extirpar o adversário, desde que isso seja feito nas urnas, não faz parte do DNA de qualquer partido político real numa democracia.
E tenho dúvidas também sobre se ainda é preciso extirpar o DEM, ou se isso já não foi feito.
Tá, Lula é presidente, e aí mais que nunca falar é fazer. Uma declaração isolada, mesmo nesse caso, é mais ilustrativa que a trajetória política como um todo? Vale sempre lembrar de que lado dos cassetetes cada uma estava na época da ditadura, pra ficar num tipo de repressão policial até leve pros padrões da época.
E campanha é campanha. Ainda mais contra os Bornhausen, que falaram em varrer a raça dos petistas há algum tempo, e agora responderam assim:
"Para pronunciar o nome dos Bornhausen dentro de Santa Catarina, Lula tem que estar são e lavar a boca antes".
"— Aconselho o presidente a não faltar com a verdade, não inaugurar obras inacabadas, respeitar as famílias catarinenses e não ingerir bebidas alcoólicas antes dos comícios."
Quanto ao princípio "tratar com educação aquele que te trata com educação", Celso de Barros saiu-se com a seguinte pérola, quanto à sua relação com Reinaldo Azevedo:
O cara ofende quem quer, patrulha os outros jornalistas (como no caso recente da Lucia Hippolito), chama a Marilena Chauí de tati Quebra-Barraco,  e vive, fundamentalmente, disso: alguém é capaz de citar uma idéia que Reinaldo Azevedo já tenha tido na vida, fora “Mendonça, tô com o projeto de uma revista aqui que vai dar o maior lucro!”?
Depois de anos fazendo isso, malandro, o que você queria? Que eu passasse talquinho no seu bumbum? Te fizesse cafuné? Te desse uma bitoca? Mandasse fazer um bolinho de marzipã com nossas iniciais entrelaçadas? Esculpisse um smurf violeta com sua cara abraçando um coração borrifado de alfazema? Que eu te desse um danoninho sabor amora, dengo e pônei? Informamos que a saída de emergência para marmanjo mal-educado metido a sensível é logo depois da loja de lembranças.”
Algo análogo se aplica ao caso. Lula até não desceu o nível.
Por isso não concordo com o que Caetano disse. Mas, claro, sei que ele não se confunde com o uso que com certeza vem sendo feito de declarações como essa. Como foi e é vítima de policiamento ideológico, Caetano tem  o direito de ficar puto. Só que não está claro pra mim se ele leva em conta o risco de responder com a mesma moeda, e confundir qualquer apoio a Dilma e Lula com voluntarismo cego de militante. O texto é ambíguo nesse sentido, talvez de forma calculada.
Agora, que a quase unanimidade e o obaoba atual no Brasil têm lá seus riscos claros, nisso Caetano tem razão mesmo. Os recentes escândalos envolvem claramente exploração eleitoral por parte da grande imprensa, de maneira inteiramente desequilibrada, como mostra a falta de repercusão de reportagem da Carta Capital sobre a quebra de sigilo feita por empresa das filhas de Serra e Daniel Dantas na era FHC. Na época, como era costume, absolutamente nada se fez no governo ou no Ministério Público a esse respeito. Tem vários aspectos questionáveis nas denúncias, e o melhor comentário que vi a esse respeito foi de Nassif.
Não obstante isso, é pra lá de perigoso deixar de se preocupar com os indícios de corrupção ou tentativa de corrupção que ocorreram na Casa Civil. Digamos que, na melhor das hipóteses, o filho da agora ex-ministra Erenice Guerra tivesse uma consultoria legal, que cobrasse taxa de mercado nos seus serviços, e que a parente ilustre nada fizesse pra “agilizar” os negócios da empresa interessada. Ainda assim, seria revoltante que alguém ocupando cargo dessa importância não visse problemas com esse tipo de movimentação. Tá lá em cima, tem que aguentar o tranco, ainda mais com uma imprensa dessas. Se isso ocorreu, ela não deveria ter se tornado ministra, porque não estava à altura do cargo.
De todo jeito, engarrafamento e música alta na praia à parte (por sinal, estranhei o ataque ao axé e a seleção lexical "vulgar", tão preconceituosa - ele enjoou de "cafona"?), o texto de Caetano até me deixou com saudade de Salvador, de cujo provincianismo já nem sei se me envergonho.
“Caetano Veloso
Cantor e compositor
“Retenção em direção à Raul Seixas e ACM”. É uma frase e tanto para marcar a entrada na cidade de Salvador. A voz da moça no rádio do carro não deixa transparecer nem uma gota de ironia ou ansiedade.
Apenas adverte o motorista já preso no engarrafamento que ele terá maiores dificuldades ainda ao chegar em conhecido viaduto, que desemboca em conhecidíssima avenida.
As margens da estrada estão cheias de pessoas que agitam bandeiras com nomes de candidatos, alguns dos quais aparecem também em cartazes apoiados na grama.
Aparentemente, todos estão abraçados com Lula. Muitíssimos com Dilma e Lula. O governador Jaques Wagner aparece num grande outdoor entre seu vice e Dilma. Inacreditavelmente, ele é anunciado como Wagner Dilma, em grandes letras brancas.
Letras miúdas explicam que ele é candidato apenas com a palavra “governador”.
Letras igualmente pequenas dizem que seu vice é Otto Não-Sei-Quê. Nada é explicado sobre Dilma, de modo que o nome dela realmente aparece como sendo o sobrenome de Wagner: mesmo tipo, mesma cor, mesmo tamanho.
A Bahia é especialmente lulista. Sempre foi. Eu me orgulhava disso. Agora, já não consigo sentir que ela o seja pelas melhores razões.
Sou otimista e creio que as melhores razões ainda predominam na composição do fenômeno Lula. Mas é impossível não ver a infantilidade dos eleitores na aceitação do que quer que Lula diga ou faça. Entendo o papel que a economia desempenha no êxito do seu projeto de fazer o sucessor. Mais ainda: o Bolsa Família é um grande conseguimento.
Mesmo assim, senti necessidade de gritar para os microfones da Rádio Santo Amaro FM que o presidente da República não pode declarar que um partido político deve ser extirpado. A frase de Lula sobre o DEM é inaceitável. Nem adianta lembrar o papo de livrar-nos da “raça petista”, lançado por Bornhausen: este também era incivil (e com um risco de conotação terrível pela escolha da palavra “raça”), mas ele não era presidente da República.
Reafirmo meu voto em Cesar Maia.
A mesma voz no rádio informa que Erenice Guerra foi destituída do cargo que herdou de Dilma. Também pudera: com aquela nota em tom de ofensiva que ela lançou, só podia mesmo dançar.
Era uma nota que dava vontade de mover céus e Terra para que Serra passasse ao segundo turno com Marina.
Que que é isso? “Aético e já derrotado?” Incrível. E olha que eu gosto menos da “Veja” do que da Erenice, se é que você me entende.
Barracas
Salvador não tinha engarrafamentos assim.
Não faz muito tempo que isso começou.
Uns poucos anos. A cidade inchou, e hoje muito mais gente pode comprar carro. Além disso, há uma Barra da Tijuca no litoral norte: condomínios já se encadeiam desde Santo Amaro de Ipitanga quase até Aracaju. Nosso carro entra na cidade “por dentro”, isto é, pela Paralela e outras estradas paralelas à orla marítima.
Portanto, não vi as praias sem barracas. Era meu sonho (e meu comício quase diário) que se retirassem as barracas fixas das areias da orla.
O prefeito que se reelegeu (como, meu Deus?) tinha erguido “barracas” de alvenaria, para substituir as barracas de telhado de palha. Estas já eram problemáticas pois todas serviam comida, tinham banheiro para os donos e empregados (que muitas vezes dormiam lá), etc. As de alvenaria prefiguravam uma favela crescendo sobre a praia em direção às ondas.
Tinha o problema do som alto com música pop comercial (axé, sucesso americano, pagode, axé e axé). Eu odiava.
Desisti de ir às praias de mar aberto (o Porto da Barra não tinha barracas fixas) e sentia vergonha de levar visitantes amigos. A gente vai à praia para ouvir as ondas baterem, não música vulgar em caixas rachadas. Não é que agora, de repente, esse mesmo prefeito teve um estalo de Vieira e, sem que se conhecesse um plano de solução para a questão, resolveu retirar todas as barracas de uma vez? Parece suspeito? Bem, ouço papo de liberar o gabarito dos prédios da orla. E não gosto de intervenções, por mais sensatas no pensamento, que não levem em conta o que já funciona.
De todo modo, eu acho que uma barraca que se chama, desde, pelo menos, 1972, Jane Fonda: Um Toque de Aconchego (isso escrito em talha de madeira pintada, podendo ser lido do ônibus) devia ser tombada: eu tinha um sonho de mostrar à própria Jane Fonda e tentar traduzir o “subtítulo” para ela.
Falar de Salvador aqui pode fazer Xexéo voltar a me sacanear com piadas sobre o regionalismo que invadiu, por meu intermédio, as páginas cosmopolitas do Segundo Caderno.
Mas a prova de que a Bahia é menos provinciana do que o Bairro Peixoto é que foi lá que Zé Dirceu disse as palavras definidoras do futuro governo Dilma.
O trânsito emperrado entre o viaduto Raul Seixas e a Avenida Antônio Carlos Magalhães me fala da tensão entre o impulso desprovincianizante e o populismo arraigado.
As primeiras palavras petistas sobre Lula ser maior do que o PT (e disso ter produzido uma vitória do PT sobre o próprio Lula, este passando a ter sido uma jogada para que o projeto político do partido domine o País) foram pronunciadas na Bahia. Onde sempre se descobriu o Brasil.
Aliás, por que ninguém respondeu à minha pergunta sobre a razão de aprendermos na escola que o Brasil foi descoberto? Domingo que vem eu conto como Jon Hendricks me levou, via Moreno, a redescobrir tudo. Ouvindo essa música, fiquei mais capaz de apreciar Raul, ACM, Erenice ou Dirceu. Venha o que vier, eu encaro.”

7 de setembro de 2010

O elo débil e o súbito pudor

Brincadeira a matéria que deu a manchete da Folha de hoje. Consegue relacionar o contador Antônio Carlos Atella Ferreira – que entrou com o pedido pra conseguir os dados fiscais da filha de Serra com procuração falsa – até com o caso Celso Daniel. A linha de raciocínio é realmente admirável. Pra quem não leu:

Registro em cartório e relações familiares derrubam versão do PT sobre contador

FLÁVIO FERREIRA
SILVIO NAVARRO
DE SÃO PAULO


Registros nos cartórios eleitorais de Mauá e Ribeirão Pires (Grande São Paulo) e relações familiares derrubam a versão do PT de que o contador Antonio Carlos Atella Ferreira, responsável pela violação do sigilo fiscal de Veronica Serra com uma procuração falsa, não tem ligação com o partido.


Os documentos nos cartórios desmentem a versão de que a filiação de Atella não foi efetivada por erro de grafia do nome dele, como a Folha.com revelou ontem. No final de semana, o PT argumentou que a filiação de Atella não havia se consumado pois o registro havia sido feito com a grafia do nome errada -constava "Atelka" e não Atella, segundo o partido.


No entanto o banco de dados da 217ª Zona Eleitoral, em Mauá, indica que Atella é filiado ao PT desde 20 de outubro de 2003. Para a Justiça Eleitoral, nunca houve pedido formal de desfiliação da sigla. O tribunal informou que os partidos atualizam as listas de filiados duas vezes por ano.


Em 10 de abril de 2006, ocorreu mudança do domicílio eleitoral do contador para Ribeirão Pires. Ou seja, para a Justiça, Atella passou a ter filiação partidária em Mauá e domicílio eleitoral em Ribeirão Pires.


Isso levou o sistema eletrônico do TRE paulista, em novembro de 2009, a excluir o nome dele do banco de dados. O sigilo de Veronica, filha do candidato do PSDB à Presidência, José Serra, foi violado dois meses antes.


O fato de o nome de Atella ter sido excluído do banco de dados não significa que ele tenha sido desfiliado. O cartório da 183ª Zona Eleitoral emitiu uma certidão na qual declara que "não há pedido de desfiliação do eleitor acima mencionado (Atella) nos arquivos desta unidade eleitoral".


Atella negou filiação partidária no primeiro momento. Mas, após o TRE-SP confirmar o vínculo, disse que "não se lembra" da filiação. Tão logo a filiação foi divulgada, o presidente do PT, José Eduardo Dutra, se apressou em negar o vínculo dele com a sigla.


FAMÍLIA


A família de Atella é militante histórica e fundadora do diretório do PT de Mauá na década de 80. Neuza Maria Ferreira Jaloretto, sua irmã, é filiada ao PT desde 21 de maio de 1981. A inscrição dela foi feita na 217ª Zona Eleitoral, a mesma em que Atella deu entrada na sua filiação.


Servidora da área da saúde da Prefeitura de Mauá, ela é casada com o oficial de Justiça João Primo Jaloretto, fundador do PT na cidade. Segundo o presidente do PT paulista, Edinho Silva, Jaloretto é militante histórico. O ingresso no PT ocorreu a partir de associações de bairro nos anos 80.


"Ele [João Primo] foi fundador do PT de Mauá, é militante do PT", disse. A família Jaloretto é dona de um imóvel alugado para as atividades políticas do deputado estadual Donisete Braga (PT). O aluguel, no valor de R$ 1.340 mensais, é pago a Durvalino Jaloretto com a verba do gabinete de Braga na Assembleia Legislativa.


Integrante do grupo político do prefeito Oswaldo Dias (PT), Braga é uma das lideranças do partido no ABC. Ele enfrentou processo -arquivado em 2006- por envolvimento no assassinato do prefeito Celso Daniel (PT). A quebra do sigilo telefônico de Braga, que nega envolvimento no crime, revelou que ele estava próximo ao local do cativeiro de Daniel um dia antes da sua morte.

A família de Atella em Mauá é ligada à do prefeito Oswaldo Dias. As filhas de ambos, Letícia Dias e Juliana Jaloretto, estudaram juntas. Hoje, o filho de Dias, Leandro, preside o diretório municipal do partido após seu grupo derrotar o do ex-vice-prefeito Márcio Chaves. A Folha identificou mais dois familiares petistas em Mauá: Maria do Carmo Jaloretto, filiada desde abril de 1981, e Anna Clélia Jaloretto, desde 1988.

Colaborou RANIER BRAGON, de Brasília

Resumindo, é isso: Atella é irmão de Neuza, filiada ao PT e casada com Jaloretto, fundador do partido em Mauá. A família deste (a família do cunhado, nem sequer este mesmo) tem um imóvel alugado pelo deputado estadual Donisete Braga (PT), que foi investigado (não condenado, pois o processo foi arquivado) por envolvimento no caso Celso Daniel.

Alguma dúvida de que a grande maioria dos leitores passará batida pela debilidade da linha de relação e simplesmente engolirá a ideia de que esse procuradorzinho é mais um desses sujos do PT?

E outra coisa: desde quando a imprensa se importou tanto com quebra de sigilo a ponto de se concentrar inteiramente nessa ilegalidade e não nas informações resultantes dela? Quantas vezes os noticiários se valem de informações vazadas irregularmente da polícia, do Ministério Público, do Judiciário para rechear as reportagens no vácuo deixado pela falta de jornalismo investigativo? E as câmeras escondidas?

Quebra de sigilo é grave. A resposta certa é sair quebrando regras mínimas de coerência e até bom senso?

5 de setembro de 2010

Resumo de uma Folha de domingo

Meu resuminho do que li da edição de hoje da Folha:

A gente tá doido pros tucanos tomarem logo de volta o poder da mão desses aparelhistas contumazes. Parece que já era, mas mesmo assim ainda é tempo de criar factoidilmas. Se não der, quem sabe vai pintar um novo PSDB pra nos redimir?

Vejamos passo a passo.

A gente tá doido pros tucanos tomarem logo de volta o poder (…) - Isso pode ser lido no editorial O aviso de Lula, que apela para o argumento furado da necessidade de alternância (vale lembrar, é preciso manter a fama de imparcial):

“Os artifícios retóricos e os argumentos que constavam do artigo de Lula poderiam, quase que integralmente, ser agora esgrimidos contra seu próprio governo.
De fato, poucas vezes na história republicana o fisiologismo foi tão explícito e subordinou-se tanto a máquina pública ao proveito partidário. Por certo, tornaram-se ainda mais caudalosos os rios de dinheiro vertidos na candidatura continuísta -e mais sofisticadas as técnicas de comunicação para ‘ludibriar o eleitorado’.
Utilizou-as Lula, com sua vocação de animador de plateias, para inventar a herdeira que, sem nenhuma experiência eleitoral, poderá ocupar seu trono -ou melhor, a cadeira presidencial. As recorrentes comparações com a história mexicana, que ora voltam à cena, podem ser úteis nos torneios verbais, mas não vão muito além disso. Por mais longos que possam ser os ciclos de grupos políticos no poder, as democracias evoluídas (o que não era o caso do México) acabam sempre por experimentar uma saudável alternância administrativa.”

Então viu, a comparação com o México só não vale porque aqui, inevitavelmente, teremos uma “saudável alternância”.

“(…) da mão desses aparelhistas contumazes” – Quem garante é Cantanhêde, que apresentou a brilhante prova de que os vazamentos estão ligados à campanha de Dilma, e seria um absurdo pensar em outras possibilidades:

“Quem faz o serviço sujo para a campanha petista na internet já tem um culpado: Aécio! É ridículo, como se esses tucanos e esse Aécio é que vivessem fazendo dossiês e usando o aparelho de Estado para violar o sigilo dos outros.”

Entendi. Quem “vive fazendo” é que está fazendo. Tirando a consistência lógica da forma do argumento (X vive fazendo Y; Y aconteceu; logo, X fez Y), a premissa se baseia em parte no factoide do dossiê, que data de junho, e sobre o qual já falei minhas besteiras. Não vejo porque uma das hipóteses em aberto não seja a de que houve participação do PSDB mineiro.

Parece que já era, mas mesmo assim ainda é tempo de criar factoidilmas – Coisa mais furada foi a manchete da edição de Domingo: “Consumidor de luz pagou R$1 bi por falha de Dilma”. Em primeiro lugar, a matéria não estabelece claramente essa relação segundo a qual o consumidor teria pagado, e o valor nem chegou a isso (se R$11 mi não é nada pra Folha, dá pra mim). Em segundo, o próprio texto, claro que sem nenhum destaque, lembra que o tal “erro” é da legislação do governo anterior:

Na época, um dos critérios para a concessão do benefício era o consumo residencial. Os técnicos do tribunal, contudo, concluíram que consumidores que gastavam pouco (até 80 kWh por mês), não eram, necessariamente, pobres -caso de donos de casas de veraneio.
Por outro lado, consumidores de fato pobres ficavam de fora do desconto, pois podiam registrar consumo acima de 80 kWh/mês, devido ao alto número de moradores sob um mesmo teto.
Ou seja, consumidores pobres subsidiaram ricos.
O tribunal propôs, então, a reformulação dos critérios do benefício, criado em abril de 2002, último ano do governo FHC.

Uma questão importante, mas nem atual nem bem aprofundada, justificada apenas porque contradiria a imagem de boa administradora da candidata. E vai parar na manchete da edição de domingo…

Se não der, quem sabe vai pintar um novo PSDB pra nos redimir? – Essa ficou por parte de uma matéria sobre PSDB:

“O PSDB terá que ser reformulado, independentemente do resultado das eleições. Essa é a opinião consensual de fundadores tucanos ouvidos pela Folha e que seguem filiados ao partido 22 anos depois de seu nascimento.
Ao mesmo tempo em que elogiam José Serra como candidato à Presidência, os ouvidos concordam que o partido perdeu a essência, curtida na social-democracia europeia.
Hoje, dos 109 fundadores, apenas Fernando Henrique Cardoso e Pimenta da Veiga, além de Serra, ainda compõem o conselho político nacional do partido.
Existe consenso entre os entrevistados de que a perspectiva de ver seu principal antagonista no cenário político, o PT, chegar a pelo menos 12 anos seguidos no poder é fruto de erros cometidos pelos próprios tucanos.”

O final da citação é brilhante: quer dizer que o único motivo capaz de ter feito os tucanos perderem a presidência foram seus próprios erros? Nunca uma admissão do tipo foi tão pouco humilde. Me lembra trecho da letra de Dom de Iludir, de Caetano “Você sabe explicar / Você sabe entender / Tudo bem / Você está, você é / Você faz, você quer / Você tem”. Se começarem se reformulando assim, estarão seguindo os passos do DEM: vão mudar a roupa, mas não a alma.

16 de agosto de 2010

Post sobre a cegueira

Pois é, os emails trocados entre Felipe e Renato só provam o quanto eu estou correto. Este blog só funciona propriamente quando há um certo estímulo, que desta vez veio de um comentário que Renato fez a partir do editorial da Folha do último sábado, dia 14, e de um textinho de Eliane Cantanhêde de ontem. É, meu caro, parece mesmo que a ala paulista da intelectualidade peessedebista – uma grande parte dos colunistas, editores e donos de jornais em São Paulo, como você bem disse – vai imolar Aécio Neves no altar dos culpados pela derrota eleitoral que começa a se vislumbrar, mas que ainda não está tão certa quanto aqueles mais apressados querem fazer crer. (Renato vai um pouquinho mais longe, levantando a bola de um certo “paulistanismo por poder”, mas aí eu deixo que ele mesmo corte. Fica o convite.)

Eu, de minha parte, me interessei deveras pelo textinho da Cantanhêde (com artigo e tudo), uma pecinha miúda – seis paragrafozinhos com frases curtinhas, sem maiores desenvolvimentos, bem tipicamente jornalístico –, mas cujas implicações, essas sim, me parecem da maior importância.

O assunto: o banho de água fria que a última pesquisa do Datafolha – o instituto que demorou, mas deu o braço a torcer frente à ascensão de Dilma – deu na cúpula do PSDB. Este textinho se movimenta entre um derrotismo, que se pergunta qual será o futuro da oposição, e uma certa perplexidade entre o que fazer para evitar que uma era de trevas se instale definitivamente sobre o Brasil. (É bom que se diga que a ênfase dramática é minha. Nossa colunista é bem mais contida.) E é aí que ele fica interessante.

Cantanhêde escreve:
“A dúvida é se o partido resiste à eternidade de 20 anos na oposição – 8 de Lula, 4 de Dilma e mais 8 de Lula a partir de 2014.”
Engraçado o questionamento, que reforça ao menos dois factóides. Primeiro, que Dilma não passa mesmo de uma marionete de Lula, uma espécie de tampão pseudo-democrático, cuja única função é perpetuar o atual presidente e o petismo no poder sem que haja uma ruptura tão radical quanto a que aconteceu na execrável e autoritária Venezuela de Hugo Chávez. É, como diz Reinaldo Azevedo, o lobo da ditadura numa pele de cordeiro democrática.

O segundo é um desdobramento possível do primeiro – pelo menos nas cabeças neuróticas de uns e mal-intencionadas de outros: os eternos 20 anos do PT à frente da República poderiam significar o esmagamento da oposição, instaurando, assim, por via democrática, um governo de partido único, bem ao gosto dos stalinistas que compõem a esquerda brasileira. Novamente, o fantasma que paira sobre o imaginário de uma parcela da elite nacional é o de que Lula seja nada mais nada menos do que uma versão paz-e-amor do bolivarianismo chavista.

E, para Cantanhêde, não resta dúvida de quem é a culpa deste futuro tão incerto quanto macabro: ela pertence, por um lado, a Aécio, que “não apostou na vitória de Serra, convencido de que manter Minas seria suficiente para alavancar sua candidatura à Presidência na próxima eleição.” Por outro, a culpa de uma possível derrota de um político tão competente quanto Serra para um poste como Dilma só pode ser imputada a um imenso rolo compressor: “Lula, os ministérios, a máquina pública, a ramificação do PMDB e a maior coligação partidária. Não bastasse, vai ter, a partir da terça, o maior tempo na TV e no rádio.”

Felipe é que está certo: tudo não passa de inépcia e presunção da colunista da Folha, para qual, se se confirmarem as pesquisas, tudo o que acontecer de mal ao PSDB – e ao Brasil, logicamente – não é computado como desdobramento da incompetência do partido tanto nos oito anos em que esteve no poder, quanto nos outros tantos em que não soube fazer oposição.

O que Cantanhêde e aqueles que a lêem não conseguem ver é que os possíveis 20 anos do PT à frente do país não significam o fim da oposição e, conseqüentemente, um assalto bolchevique à democracia brasileira. Eles significariam, isso sim, o seu exato oposto: diante de mais uma derrota, a oposição vai ter que se reinventar, corrigir seu discurso, buscar novas lideranças – os Júnior e os Netos que povoam o congresso claramente não dão conta da coisa –, reescrever sua agenda, repensar suas prioridades e, talvez o que seja mais importante, tomar consciência de que precisa ampliar o seu poder de comunicação. Está claro que só os leitores da Folha não são mais capazes de eleger um Presidente da República.

Por que Lula escolheu Dilma?

É, o começo do segundo semestre chega mostrando que, como temia, vai ser difícil atualizar o blog. Pelo menos Rodrigo voltou. De todo jeito, caro 1,2 leitor semanal (contando eu), assine a “newsletter” ou nos siga no twitter, pra não perder seu tempo de vir aqui e não achar nada de novo – como dá pra ver que alguns fazem.

Bem, a Época saiu essa semana com a foto da ficha criminal de Dilma, prometendo revelar informações inconvenientes sobre seu passado terrorista. Não li e não gostei, até porque já deu pra ver mais ou menos do que se trata em mais um post memorável do NPTO. De toda forma, a crescente sensação da vitória do PT e o início de uma maior presença direta da candidata nos meios de comunicação vão plasmando melhor a imagem pública de Dilma.Arte com foto da capa da Época, que apoiadores de Dilma usam no Twitter 

Essa história da ex-terrorista é mais um ato de desespero da oposição, e pode até ter o efeito inverso do esperado. Uma das razões para isso é que contradiz a imagem de uma candidata pura criatura, criada ex nihilo por Lula para sucedê-lo.  Faz algum sentido dizer que uma mulher que decidiu pegar em armas contra a ditadura militar brasileira tem potencial de marionete? É a mesma inconsistência da ideia de uma pessoa que maltrata os inferiores em relação ao papel de pau mandado, como bem notou a própria Dilma na entrevista ao JN. Em parte, é a própria novidade da figura no cenário eleitoral nacional que talvez permita essas oscilações, fora a usual falta de preocupação com a coerência por parte de certos discursos.

A tentativa de mostrar uma falta de valor próprio de Dilma revela, aliás, o quanto o governo Lula fez estragos na oposição. Se consideram que o presidente é capaz de eleger um poste pra sua sucessão, então Lula está bem próximo mesmo do Deus transcendente da Bíblia, que não encontra limites pra seu poder, manipula o jogo, os personagens e as regras. Aquele para o qual a matéria não oferece resistência nenhuma. O todo poderoso mesmo. O cara. Nesse caso, não deveriam criticar a sua pretensa mania de grandeza, pois são os primeiros a inflá-la.

De fato, Lula revela mais uma vez muita capacidade nessa eleição, e não só pelo fenômeno da transferência de voto de um governo espantosamente bem avaliado. Mas não porque teria feito de quem bem quis sua candidata, mas por ter antecipado possibilidades que demonstram seu tino político afiadíssimo. A escolha de Dilma, na verdade, não foi nada arbitrária, e sim inteiramente circunstanciada.

Pra mim o cenário foi mais ou menos assim: com o mensalão, a imagem do PT foi fortemente desgastada; pra completar, como o antigo partido vestal não inventou a roda na hora de fazer besteira, e sim repetiu tramóias em que os demais eram especialistas históricos, isso deu num desgaste ainda maior da classe, tipo “político nenhum presta mesmo”; tendo dado a marca do social ao primeiro governo, era necessário mostrar ao eleitor que havia algo mais a fazer, e isso era tirar o Brasil da estagnação econômica.

Ora, Dilma responde a todo esse contexto. Não tem ligação histórica com o PT, pois era filiada ao PDT. O fato de nunca ter disputado eleição, num cenário em que os profissionais nesse meio são os mais queimados, torna-se até positivo. Quanto menos você for escolado nessa sujeira toda, melhor. O perfil de funcionária técnica só complementa esse aspecto. Pra exorcizar ainda melhor a figura expiatória de José Dirceu, só mesmo se não tivesse lutado contra a ditadura. Por fim, identificada com o desenvolvimentismo e com a cobrança por resultados, era a pessoa certa para comandar a Casa Civil no segundo governo, e o PAC. Além disso, e não menos importante, dá a ideia de um avanço: como diz Marina, primeiro um sociólogo, depois um operário, e agora uma mulher (a diferença pra Dilma nesse sentido Marina garante com a especificação “de origem humilde”).

Lula sabe melhor que ninguém: política jamais pode ser a arte de ajustar a realidade a seus desejos. A escolha de Dilma evidentemente levou em conta sua fidelidade, mas esteve muito bem ancorada, como tem que estar, na situação histórica.

Essa lição, aliás, a oposição parece não ter aprendido. Em artigo na Folha de ontem, Eliana Cantanhêde empurra pra Aécio Neves parte da responsabilidade pela situação de Serra, que agora o Datafolha confirma como desesperadora. Por um lado, é São Paulo não admitindo perder sozinho por sua responsabilidade. Por outro, é arrogância pura da oposição achar que Dilma vai ganhar a eleição por conta desses ou daqueles deslizes, como se tudo dependesse de seus desejos e decisões.

Desculpa aí, mas a realidade histórica manda lembranças.