Muitos, entre eles Caetano Veloso, criticaram declaração recente de Lula de que o DEM deveria ser extirpado (pra quem não leu, segue abaixo o artigo em que Caetano reafirma declaração feita a uma rádio de Santo Amaro).
Pra mim Lula falou isso do DEM porque queria provocar os adversários a atacá-lo, o que nesse eleição é garantia certa de esparro, até em SC. A mesma coisa ele fez com ACM na eleição passada, chamando-o de ratazana - e aliás o expediente funcionou maravilhas, e Wagner ganhou quando ninguém acreditava nisso.
Eu não vejo nada na história de Lula que indique a vontade de extirpar outras forças políticas. Nem antes nem durante a presidência. Isso eu já vi na história do DEM e de seus antepassados (por exemplo, na Bahia).
Tirando que tenho minhas dúvidas se a vontade de extirpar o adversário, desde que isso seja feito nas urnas, não faz parte do DNA de qualquer partido político real numa democracia.
E tenho dúvidas também sobre se ainda é preciso extirpar o DEM, ou se isso já não foi feito.
Tá, Lula é presidente, e aí mais que nunca falar é fazer. Uma declaração isolada, mesmo nesse caso, é mais ilustrativa que a trajetória política como um todo? Vale sempre lembrar de que lado dos cassetetes cada uma estava na época da ditadura, pra ficar num tipo de repressão policial até leve pros padrões da época.
E campanha é campanha. Ainda mais contra os Bornhausen, que falaram em varrer a raça dos petistas há algum tempo, e agora responderam
assim:
"Para pronunciar o nome dos Bornhausen dentro de Santa Catarina, Lula tem que estar são e lavar a boca antes".
"— Aconselho o presidente a não faltar com a verdade, não inaugurar obras inacabadas, respeitar as famílias catarinenses e não ingerir bebidas alcoólicas antes dos comícios."
Quanto ao princípio "tratar com educação aquele que te trata com educação", Celso de Barros saiu-se com a seguinte
pérola, quanto à sua relação com Reinaldo Azevedo:
O cara ofende quem quer, patrulha os outros jornalistas (como no caso recente da Lucia Hippolito), chama a Marilena Chauí de tati Quebra-Barraco, e vive, fundamentalmente, disso: alguém é capaz de citar uma idéia que Reinaldo Azevedo já tenha tido na vida, fora “Mendonça, tô com o projeto de uma revista aqui que vai dar o maior lucro!”?
Depois de anos fazendo isso, malandro, o que você queria? Que eu passasse talquinho no seu bumbum? Te fizesse cafuné? Te desse uma bitoca? Mandasse fazer um bolinho de marzipã com nossas iniciais entrelaçadas? Esculpisse um smurf violeta com sua cara abraçando um coração borrifado de alfazema? Que eu te desse um danoninho sabor amora, dengo e pônei? Informamos que a saída de emergência para marmanjo mal-educado metido a sensível é logo depois da loja de lembranças.”
Algo análogo se aplica ao caso. Lula até não desceu o nível.
Por isso não concordo com o que Caetano disse. Mas, claro, sei que ele não se confunde com o uso que com certeza vem sendo feito de declarações como essa. Como foi e é vítima de policiamento ideológico, Caetano tem o direito de ficar puto. Só que não está claro pra mim se ele leva em conta o risco de responder com a mesma moeda, e confundir qualquer apoio a Dilma e Lula com voluntarismo cego de militante. O texto é ambíguo nesse sentido, talvez de forma calculada.
Agora, que a quase unanimidade e o obaoba atual no Brasil têm lá seus riscos claros, nisso Caetano tem razão mesmo. Os recentes escândalos envolvem claramente exploração eleitoral por parte da grande imprensa, de maneira inteiramente desequilibrada, como mostra a
falta de repercusão de reportagem da Carta Capital sobre a quebra de sigilo feita por empresa das filhas de Serra e Daniel Dantas na era FHC. Na época, como era costume, absolutamente nada se fez no governo ou no Ministério Público a esse respeito. Tem vários aspectos questionáveis nas denúncias, e o melhor comentário que vi a esse respeito foi de
Nassif.
Não obstante isso, é pra lá de perigoso deixar de se preocupar com os indícios de corrupção ou tentativa de corrupção que ocorreram na Casa Civil. Digamos que, na melhor das hipóteses, o filho da agora ex-ministra Erenice Guerra tivesse uma consultoria legal, que cobrasse taxa de mercado nos seus serviços, e que a parente ilustre nada fizesse pra “agilizar” os negócios da empresa interessada. Ainda assim, seria revoltante que alguém ocupando cargo dessa importância não visse problemas com esse tipo de movimentação. Tá lá em cima, tem que aguentar o tranco, ainda mais com uma imprensa dessas. Se isso ocorreu, ela não deveria ter se tornado ministra, porque não estava à altura do cargo.
De todo jeito, engarrafamento e música alta na praia à parte (por sinal, estranhei o ataque ao axé e a seleção lexical "vulgar", tão preconceituosa - ele enjoou de "cafona"?), o texto de Caetano até me deixou com saudade de Salvador, de cujo provincianismo já nem sei se me envergonho.
“Caetano Veloso
Cantor e compositor
“Retenção em direção à Raul Seixas e ACM”. É uma frase e tanto para marcar a entrada na cidade de Salvador. A voz da moça no rádio do carro não deixa transparecer nem uma gota de ironia ou ansiedade.
Apenas adverte o motorista já preso no engarrafamento que ele terá maiores dificuldades ainda ao chegar em conhecido viaduto, que desemboca em conhecidíssima avenida.
As margens da estrada estão cheias de pessoas que agitam bandeiras com nomes de candidatos, alguns dos quais aparecem também em cartazes apoiados na grama.
Aparentemente, todos estão abraçados com Lula. Muitíssimos com Dilma e Lula. O governador Jaques Wagner aparece num grande outdoor entre seu vice e Dilma. Inacreditavelmente, ele é anunciado como Wagner Dilma, em grandes letras brancas.
Letras miúdas explicam que ele é candidato apenas com a palavra “governador”.
Letras igualmente pequenas dizem que seu vice é Otto Não-Sei-Quê. Nada é explicado sobre Dilma, de modo que o nome dela realmente aparece como sendo o sobrenome de Wagner: mesmo tipo, mesma cor, mesmo tamanho.
A Bahia é especialmente lulista. Sempre foi. Eu me orgulhava disso. Agora, já não consigo sentir que ela o seja pelas melhores razões.
Sou otimista e creio que as melhores razões ainda predominam na composição do fenômeno Lula. Mas é impossível não ver a infantilidade dos eleitores na aceitação do que quer que Lula diga ou faça. Entendo o papel que a economia desempenha no êxito do seu projeto de fazer o sucessor. Mais ainda: o Bolsa Família é um grande conseguimento.
Mesmo assim, senti necessidade de gritar para os microfones da Rádio Santo Amaro FM que o presidente da República não pode declarar que um partido político deve ser extirpado. A frase de Lula sobre o DEM é inaceitável. Nem adianta lembrar o papo de livrar-nos da “raça petista”, lançado por Bornhausen: este também era incivil (e com um risco de conotação terrível pela escolha da palavra “raça”), mas ele não era presidente da República.
Reafirmo meu voto em Cesar Maia.
A mesma voz no rádio informa que Erenice Guerra foi destituída do cargo que herdou de Dilma. Também pudera: com aquela nota em tom de ofensiva que ela lançou, só podia mesmo dançar.
Era uma nota que dava vontade de mover céus e Terra para que Serra passasse ao segundo turno com Marina.
Que que é isso? “Aético e já derrotado?” Incrível. E olha que eu gosto menos da “Veja” do que da Erenice, se é que você me entende.
Barracas
Salvador não tinha engarrafamentos assim.
Não faz muito tempo que isso começou.
Uns poucos anos. A cidade inchou, e hoje muito mais gente pode comprar carro. Além disso, há uma Barra da Tijuca no litoral norte: condomínios já se encadeiam desde Santo Amaro de Ipitanga quase até Aracaju. Nosso carro entra na cidade “por dentro”, isto é, pela Paralela e outras estradas paralelas à orla marítima.
Portanto, não vi as praias sem barracas. Era meu sonho (e meu comício quase diário) que se retirassem as barracas fixas das areias da orla.
O prefeito que se reelegeu (como, meu Deus?) tinha erguido “barracas” de alvenaria, para substituir as barracas de telhado de palha. Estas já eram problemáticas pois todas serviam comida, tinham banheiro para os donos e empregados (que muitas vezes dormiam lá), etc. As de alvenaria prefiguravam uma favela crescendo sobre a praia em direção às ondas.
Tinha o problema do som alto com música pop comercial (axé, sucesso americano, pagode, axé e axé). Eu odiava.
Desisti de ir às praias de mar aberto (o Porto da Barra não tinha barracas fixas) e sentia vergonha de levar visitantes amigos. A gente vai à praia para ouvir as ondas baterem, não música vulgar em caixas rachadas. Não é que agora, de repente, esse mesmo prefeito teve um estalo de Vieira e, sem que se conhecesse um plano de solução para a questão, resolveu retirar todas as barracas de uma vez? Parece suspeito? Bem, ouço papo de liberar o gabarito dos prédios da orla. E não gosto de intervenções, por mais sensatas no pensamento, que não levem em conta o que já funciona.
De todo modo, eu acho que uma barraca que se chama, desde, pelo menos, 1972, Jane Fonda: Um Toque de Aconchego (isso escrito em talha de madeira pintada, podendo ser lido do ônibus) devia ser tombada: eu tinha um sonho de mostrar à própria Jane Fonda e tentar traduzir o “subtítulo” para ela.
Falar de Salvador aqui pode fazer Xexéo voltar a me sacanear com piadas sobre o regionalismo que invadiu, por meu intermédio, as páginas cosmopolitas do Segundo Caderno.
Mas a prova de que a Bahia é menos provinciana do que o Bairro Peixoto é que foi lá que Zé Dirceu disse as palavras definidoras do futuro governo Dilma.
O trânsito emperrado entre o viaduto Raul Seixas e a Avenida Antônio Carlos Magalhães me fala da tensão entre o impulso desprovincianizante e o populismo arraigado.
As primeiras palavras petistas sobre Lula ser maior do que o PT (e disso ter produzido uma vitória do PT sobre o próprio Lula, este passando a ter sido uma jogada para que o projeto político do partido domine o País) foram pronunciadas na Bahia. Onde sempre se descobriu o Brasil.
Aliás, por que ninguém respondeu à minha pergunta sobre a razão de aprendermos na escola que o Brasil foi descoberto? Domingo que vem eu conto como Jon Hendricks me levou, via Moreno, a redescobrir tudo. Ouvindo essa música, fiquei mais capaz de apreciar Raul, ACM, Erenice ou Dirceu. Venha o que vier, eu encaro.”