3 de novembro de 2010

Desculpa, mas o senhor falou comigo?

Passei dois dias distantes da internet para provar pra mim mesmo que não estava viciado em notícias. Pois bem, mal voltei, dando uma passada de vistas em tudo o que eu havia perdido, me deparo com um texto de Paulo Bornhausem, líder do DEM:
E é urgente também entender o alarme que o brasileiro deu aos políticos e governantes do país.

O brasileiro é religioso e dá muito valor a isso. É conservador e forma sua família por essa régua.
Embora não ache que ele esteja, de modo geral, errado, queria muito saber de onde vem essa generalização. Muitas das reações ao baixo nível dessa campanha vieram de uma parcela da sociedade, de cujo tamanho não tenho sequer idéia, que é bastante progressista.

Talvez o problema da oposição seja exatamente esse: continua falando apenas pra quem veste sua farda. Depois o DEM não sabe porque anda perdendo votos aos montes.


5 comentários:

Pogre disse...

Essa generalização é um esforço previsível, vindo de um político conservador. É bem "puxar brasa pra sua sardinha". Se uma ideia como essa emplaca entre os políticos (e claramente os nossos candidatos à presidência abraçaram essa ideia) fica muito mais fácil convencer congressistas para aprovar medidas conservadoras.

Um problema é que não houve confronto claro de ideias nesse aspecto, já que Serra e Dilma se refugiaram debaixo do mesmo discurso conservador. Não dá pra afirmar com clareza o quão conservador o eleitor brasileiro ainda é. O fato de o DEM estar encolhendo é indicativo da existência e abrangência dessa população progressista que você menciona, mas não é uma demonstração cabal.

O cenário é favorável para esse tipo de ideia, porque mesmo que muitos congressistas sabidamente conservadores não tenham sido eleitos, como os dois principais candidatos à presidência adotaram o mesmo discurso, fica mais fácil convencer os deputados e senadores eleitos a votarem medidas conservadoras pra agradar esse suposto eleitorado majoritariamente conservador.

No fim das contas, se os conservadorismo não chegou ao Congresso pelas urnas, resta transformar os congressistas em conservadores, ou pelo menos induzi-los a votar conservadoramente.

Pogrinho disse...

Que facciamo Ronaldo?

Rodrigo Cerqueira disse...

Eu acho bastante interessante a sua idéia de que essa é uma maneira de emplacar um discurso conservador num congresso, ao menos em tese, aliado a um governo, ao menos em tese, de esquerda.

Agora, não concordo mesmo quando você diz que ambos os candidatos tenham se refugiado "debaixo do mesmo discurso conservador". Querer igualar as atitudes de Serra, que deu espaço a uma pessoa como Silas Malafaia no seu programa político, que abriu um dos debates perguntando se Dilma acreditava em Deus, que recebeu apoio explícito da Opus Dei e da TFP, você querer igualar as atitudes dele com as de Dilma, neda elogiosas, é verdade, mas muito mais contemporizadoras do que legitimadoras, é um pouquinho de má vontade demais com o PT, você não acha, não?

De qualquer sorte, o que me preocupa -- viu como eu sou um democrata? -- é que uma oposição que precisa se reinventar continua padecendo do mesmo mal. Paulo Bornhausen escreveu única e exclusivamente para seus eleitores, pessoas conservadoras que se reconhecem direitinho naquele trecho que eu citei. Não há a preocupação de começar a pensar que existe muito mais gente por aí, descontente com os rumos do PT -- e a votação de Serra não foi pouco expressiva --, mas que não quer representar o papel que Bornhause lhe reserva no seu teatrinho solipsista. E enquanto a oposição -- PSDB aí incluído -- não conseguir ir além do seu mundinho, vai continuar levando pau.

Pogre disse...

Primeiro acho que vc vem abusando da "crítica solipsista".

Segundo tendo a concordar com você quanto à necessidade de a oposição se reinventar. Acho impressionante que eles não perceberam isso ainda, especialmente depois da derrota do Alckmin. Essa necessidade já era evidente há 4 anos e parece que não aprenderam muita coisa de lá pra cá.

Por fim, embora eu reconheça que igualei Serra e Dilma "no mesmo discurso convervador", meu objetivo era dizer que ambos adotaram discurso conservador e não que ambos adotaram discurso com exatamente o mesmo conteúdo. Ainda que se possa identificar graus diferentes, não houve verdadeira oposição de ideias sobre temas sensíveis (que nem deveria ter sido objeto de discussão entre candidatos a presidente, mas vá lá), não houve defesa explícita do estado laico. A postura do PT, ainda que em grau diferente, foi também conservadora. E isso serve de substrato para discursos como o do Bornhausen.

Felipe Leal disse...

Nos EUA, parece que o crescimento do conservadorismo hardcore teve a ver com o aprofundamento ou pelo menos continuidade da crise. Obama foi eleito, beleza, mas também, depois de Bush e da maior crise desde. Passado o ânimo inicial, e os EUA não saindo do buraco, vai ver que a eleição dele só serviu foi pra que em torno de sua figura tenha se organizado um bocado dos traços responsáveis pela decadência: é preto, liberal demais... enfim, não é um típico americano. E agora tem essa bizarrice do Tea Party.
Mas sim... se lá isso provavelmente teve a ver com a crise, é assustador que essa onda venha acontecendo no Brasil em ambiente de bonança,.
E não acredito em qualquer caráter progressista do eleitor brasileiro (pra mim o eleitorado petista não deve estar longe dos 30% tradicionais). Isso só saberemos melhor quando a coisa começar a desandar com um governo de esquerda, né não? Em certo grau, houve sim uma inflexão conservadora no discurso de Dilma, não dá pra fechar os olhos pra isso. E, se houve, é porque consideraram que era preciso...
Não estou reduzindo tudo ao "é a economia, estúpido", mas fica difícil desconsiderar esse fator.
Por outro lado, muitas vezes não se percebe que Serra se quebrou tanto pro lado do DEM, mas também pro do governo Lula. A ênfase na política social não foi debatida. Quando muito, ele se apresentava como mais capaz pra implementá-la. E vimos como foi a defesa das privatizações... Parece que tavam com vergonha de serem tucanos.