15 de outubro de 2010

Um passo atrás foi dado, resta saber quais serão os próximos

Hoje a esquerda brasileira sofreu uma das mais ridículas derrotas da sua história: Dilma assinou uma carta na qual se curva completamente à agenda conservadora e homofóbica das Igrejas Católicas e Evangélicas. O resultado, claro, foi um desânimo entre todos nós, eleitores históricos da esquerda exatamente por ela ter mantido sempre uma pauta mais progressista. E, como se não bastasse, um grande amigo, dos que mais admiro e respeito, com toda a razão, se indispôs comigo.

Ele está tão correto que, à primeira vista, nos resta catar as sobras da festa adiada e, na saída, pedir que o último apague a luz que é pra economizar energia. É verdade, os héteros não temos idéia do que deve ser viver num país homofóbico e das conseqüências dessa violência cotidiana para a vida de uma pessoa. Nesse sentido, como Felipe bem falou, ter que assumir publicamente uma postura conservadora para ganhar as eleições mina, sem dúvida, as reivindicações de qualquer causa mais progressita.

É verdade. É verdade, mas eu, hoje, não me sinto no direito de pular fora da campanha do PT por causa desse recuo. E o que é mais triste, me explico como quem pede desculpas, mas me explico assim mesmo.

Tenho, à minha frente, duas opções: na manhã de 1 de janeiro de 2011 vou acordar governado por José Serra ou Dilma Roussef. E, como não me é dada nenhuma outra possibilidade de escolha, é em um dos dois que vou depositar minhas esperanças pros próximos quatro anos, muitas das quais sairão frustradas, mas não todas – ao menos assim espero.

E algumas das minhas esperanças passam pela concretização das demandas do movimento gay, que hoje sofreu um abalo terrível. Me resta, contudo, duas perguntas. Seriam José Serra e seu vice, Índio da Costa – o mesmo que disse que se o PL 122 for aprovado só haverá liberdade de expressão para os gays – as melhores lideranças para pôr pra frente uma pauta de respeito aos direitos civis dos homossessuxais? Seria o PSDB e o DEM, hoje assentados no colo da TFP, do Ternuma, da banca ruralista e das Igrejas Católicas e Evangélicas, os partidos mais indicados para mobilizar a sociedade civil em prol daquelas causas? Eu não tenho dúvida de que não.

É verdade que hoje Dilma se vendeu ao diabo ao assinar aquela bendita carta, mas, ainda assim, penso que somente num seu governo essas propostas teriam a chance de ganhar fôlego. Primeiro porque, historicamente, o PT tem sido um dos partidos mais comprometidos na luta contra a homofobia – basta lembrar os avanços do PNDH 3 e que o PL 122, que o vice do DEM tanto critica, é de autoria de uma deputada petista, Iara Bernardi (PT-SP). Segundo porque, numa possível presidência de Dilma, os canais de diálogo desses movimentos com o governo seriam mais fáceis do que numa gestão do PSDB-DEM, dois partidos ensimesmados no mundinho encantado da Folha e da Veja e agora vigiados pelos grupos conservadores aos quais teve que se unir para chegar onde chegou.

A concessão me decepcionou, mas não me parece ser essa a hora da ruptura. E não romper, na minha opinião, não significa deixar em segundo plano a agenda dos direitos dos gays, como se ela fosse menos importante. Não romper significa, isso sim, não ter uma postura ingênua, segundo a qual as boas intenções e as verdades absolutas são as únicas possibilidades de defesa das causas que precisamos fazer andar. Se ignorarmos o contexto do país – machista, homofóbico, conservador – vamos ficar eternamente batendo a cabeça na parede sem movê-la do lugar. Prefiro me enlamear numa carta aos brasileiros, como a de Lula em 2002, que significou um recuo frente às principais demandas econômicas da esquerda, mas que tirou mais de 30 milhões de brasileiros da pobreza. Prefiro me envergonhar que Dilma seja eleita assinando uma carta estúpida como aquela, mas que, ao fim do seu mandato, possamos olhar pra trás e perceber que aquele recuo foi importante para que avanços mais significativos e mais duradouros pudessem ser implementados. Avanços esses que, se nós nos prendermos à pureza ideológica, jamais seremos capazes de concretizar. Ilusão e idealismo não melhoram a vida de ninguém.

Encerro parafraseando e mudando uma frase do NPTO: “O que eu realmente queria era que todo mundo que acompanhou essa luta de vinte anos amanhã fosse votar pensando que, de besteira em besteira, de crise em crise, de decepção em decepção, [PODE DAR] CERTO, PORRA!

2 comentários:

Paloma disse...

Eu acho que uma questão que pode assombrar muitos desiludidos como eu é a seguinte: não dá pra saber se esse foi apenas um passo para trás para tentar vencer a eleição e, depois de eleita, se ela partirá para fazer o "certo", ou se o mandato será uma imensa marcha-ré para se manter na posição e garantir uma reeleição ou o retorno de Lula ou sejam lá quais forem os planos petistas para os próximos cinco anos.
Acho triste que, em um momento tão importante onde um posicionamento corajoso sobre questões tão fundamentais seria crucial para mais discussões e, quem sabe até, uma mudança em tudo o que é feito e dito por aí simplesmente não aconteça. ok, acho que agora foi a idealista falando.

Felipe Leal disse...

Eu não considerei que ela se curvou "completamente", ao contrário do que eu tinha esperado. Quanto aos gays, especialmente, poderia ter sido bem pior (não que não tenha sido ruim o papo de "família). Tanto que teve líder evangélico que reclamou.
Agora é pressionar pra ver se isso não é só uma sutileza gramatical...