20 de outubro de 2010

A resposta de verdade (parte 1 de 3)

(Primeiro, peço desculpas a Pogrinho pela publicação do email. Percebe-se que foi um texto escrito de supetão, sem mais maiores preocupações. Mas, como ainda assim, é algo que está acima da média do que tenho lido – à esquerda e à direita –, vale uma resposta que ao menos tente estar a sua altura. Vamos lá…)

Boa parte da sua indignação com Lula está no fato de que ele faz o que você define como crítica genérica e abstrata à imprensa. Se eu entendi bem o que você quer dizer, falta, às falas do presidente, alvos específicos e exemplos concretos, o que daria peso às suas colocações. Até aí tenho que admitir que concordo com o que você diz.

O problema é que, desse fato, você tira uma conclusão que me parece precipitada: que isso é acaba por flertar com o autoritarismo. Primeiro, acho o exemplo que você traz para ilustrar seu argumento – o caso da Venezuela – particularmente fraco. As críticas de Chávez à imprensa do seu país podem ser tudo, menos genéricas e abstratas. Você se esqueceu que, em 2002, Chávez, um presidente eleito por vias democráticas, sofreu um golpe de estado, no qual o papel da imprensa foi fundamental?

Isso sem contar um outro problema no seu exemplo: o caso venezuelano me parece demasiadamente complexo pra ser tomado assim, maniqueistamente. Além de uma ambigüidade intrínseca à figura de Chávez, há, em volta dele, todo um universo de desinformação até mesmo porque tudo o que nos chega dele vem mediado por uma imprensa que lhe é visceralmente contrária. (O filme War on democracy, panfletário em muitos sentidos, traz os bastidores desse processo.) E não acho que aqui cabe o argumento de que uma imprensa livre não pode compactuar com um presidente que usa de meios democráticos como os plebiscitos para se perpetuar no poder. Não vi ninguém choramingando, quando Álvaro Uribe, presidente colombiano mais próximo a uma política de fundo liberal, mudou a constituição para poder concorrer à reeleição em 2006 e, principalmente, quando tentou isso de novo esse ano. O que demonstra o predomínio de um certo conceito muito particular do que é ou do que não é democracia na imprensa latino-americana de um modo geral.

Em seguida, você aponta as razões para que o presidente se manifeste de modo genérico e abstrato: frouxidão ou vontade de silenciar um pensamento diferente. Primeiro, um medo  que põe em xeque o próprio teor da crítica não pode ser, já que você mesmo diz lá no seu email que “[e]xemplos não faltam. Dá pra processar a Veja toda semana.” Tampouco creio que seja um modo de silenciar as dissidências. Veja, por exemplo, o que o governo FHC fez durante seu mandato com a CartaCapital, uma revista que nunca rezou sua cartilha? Essa censura de fundo econômico – corte de publicidade federal – é muito mais eficaz e silenciosa. E, ao que me consta, o governo Lula anuncia mais na Veja do que na CartaCapital, que o apóia abertamente.

Além disso, as duas explicações que você dá são politicamente bastante enviesadas, pois não permitem saídas mais positivas da ação de Lula, que, a seu ver, ou é frouxo ou é autoritário. No entanto, considero que parte desse caráter genérico e abstrato das críticas do presidente aos meios de comunicação não pode deixar de levar em consideração um dado dos mais importantes: quem veicula suas críticas de Lula à imprensa é… a própria imprensa. Não há no Brasil um grande jornal de circulação diário de esquerda como há, por exemplo, na Argentina – o Página 12 –, que possa servir de contrapeso a um ponto de vista mais liberal. (Exceção feita à CartaCapital, que todos sabem como é tratada pelo resto dos meios de comunicação.) E o que impera nos jornais e revistas brasileiros é um jogo de comadre bastante hipócrita: na hora de se solidarizar frente às ameaças de um governo autoritário, todos os meios fazem parte de um conjunto muito nobre chamado de “imprensa livre”; mas na hora de criticar abertamente os abusos de cada veículo específico – e exemplos não faltam, basta a gente ficar na demissão de Maria Rita Kehl – prevalece um silêncio sepulcral. E é exatamente esse contexto social específico que impede que críticas específicas e concretas possam ser feitas de maneira aberta. (A internet tem tentado cumprir esse papel, mas lembre-se de como os blogues contrários à grande imprensa são chamados. Isso sem contar seu alcance, muito mais limitado.)

E, talvez porque seus argumentos vão enfraquecendo com o correr do texto, você acaba caindo num lugar-comum que, além de reproduzir o que você tanto critica – é genérico e abstrato – não é verdadeiro. Quando e onde você ouviu Lula ou qualquer outro membro do governo falando em “controle da mídia”? Num país em que Marcelo Madureira, Reinaldo Azevedo e Diogo Mainardi falam o que querem, na hora que querem, como bem querem do principal mandatário da nação, democraticamente eleito, eu me pergunto: que diabo de controle ineficaz é esse?

Por fim, você traz à tona, em duas ocasiões, FHC, ambas, a meu ver, problemáticas. Primeiro como um elogio à conduta democrática do mais ilustre sociólogo da nação (depois de Candido e Schwarz e Chico de Oliveira e…), que não interferiu na sua sucessão. Meu caro, se FHC não interferiu na sua sucessão não foi por falta de vontade, mas de oportunidade (seu ego só não é maior do que o de Lula). Com os índices de popularidade com que terminou seu segundo mandato, ele não esteve nas campanhas de Serra (2002 e 2010) e de Alckmin (2006) simplesmente porque seus correligionários queriam ver um dono de clínica de aborto estuprador de freiras, mas não o então presidente. E certamente não foi por apreço democrático – e não é que ele não o tenha –, mas porque o próprio FHC o colocou em suspenso, quando optou por mudar a Constituição (você se lembra se alguém disse que ele tinha uma sede desmedida de poder por causa disso?) para concorrer a mais um mandato. (E se há alguém que teria apoio popular para levar à frente um projeto de terceiro mandato – o que foi proposto por alguns imbecis, inclusive do PT –, esse alguém era Lula. E o seu respeito pela regularidade do processo ninguém parece levar em consideração.)

E, na outra referência a FHC, você concorda com uma crítica que ele faz a Lula:
"Na medida em que o presidente quer eliminar um competidor, liquidar, ele tem poder total. É autoritarismo isso. É uma tremenda vontade de poder, que se expressa dessa forma incorreta. Um presidente da República não pode fazer isso.”
(Bem, no que concerne ao uso da máquina pública pra fazer campanha política, não me resta nada a não ser me ajoelhar no milho e pedir perdão ao nosso senhor José Serra. Contudo, não consigo evitar a tentação de lembrar que, para que fosse eleito, FHC segurou artificialmente a paridade entre o real e o dólar – alegrando a classe média que então podia ir às compras toda semana em Miami –, quebrando o país no processo. Você se lembra se alguém reclamou?)

O problema da crítica de FHC não é a crítica em si, mas seus argumentos. Primeiro, um presidente da República que mudou as regras do jogo enquanto o jogando a um custo de não-se-quantos mil reais por congressista (fiquei com preguiça de procurar) vir me falar de vontade de poder e do que um presidente pode ou não pode fazer é duma hipocrisia quase do tamanho do seu ego.  Isso sem contar que ele descontextualiza a frase de Lula sobre a eliminação do DEM – excessiva, é verdade –, mas que tinha, como você gosta, um alvo específico e um motivo concreto: Jorge Bornhausen (não achei uma matéria do período).

Nesse sentido, pra mim, que quando jovem aprendi a mesma coisa sobre autoritarismo, não está nada claro que o grupo no poder queira eliminar qualquer fonte de crítica. Acontece que eu cresci e aprendi a distinguir, também, que um pensamento único disfarçado em pelo de cordeiro pode ser um risco muito maior à democracia. (Talvez tenha sido 1964 o ano que não terminou.)

4 comentários:

El Pogre disse...

Você é um sem vergonha mesmo. Sabe que fica feio eu xingar por aqui e assim tira metade do meu prazer em debater o tema.

Pogre disse...

Eu tenho de responder, é?

Rodrigo Cerqueira disse...

Rapaz, embora esse blogue se diga pseudodemocrático -- ainda que eu não saiba muito bem como definir isso --,não precisamos concluir que, daí, ele seja autoritário. Então...

Roll Biscaia disse...

=D ti bunitinho!