Chega ao fim, daqui a pouco, a pior campanha política desde 1989. E não fui eu quem disse, que não me lembro sequer da 1993. Foi Luiz Nassif em um dos seus tuítes. Goste ou não dele, o cara está cobrindo política há séculos.
Nesse momento, a Veja posa, mais uma vez, de vestal da democracia brasileira.
“Mas por que um assunto distante das discussões relativas ao futuro do país marcou o segundo turno de forma tão presente, enquanto programas de governo simplesmente desapareceram? Para cientistas políticos ouvidos pelo site de VEJA, o “fenômeno” retrata o vazio da campanha deste ano, especialmente no segundo turno.
“Aborto, religião e casamento gay ocuparam as lacunas das propostas.”
Como a capa branca do fim do primeiro turno, a impressão que tenho é que o semanário dos Cívita quer colocar-se no buraco que a possível – espero – derrota do PSDB vai deixar aberto – um buraco que ela ajudou a cavar –: uma oposição séria e consciente, mais preocupada com o debate das principais demandas da sociedade brasileira do que com boatarias pequenas, distante do circo de horrores que foi a campanha desse ano. E o que é pior: coloca-se como se não tivesse nenhuma culpa no cartório das maledicências eleitoreiras.
Mas se essa fosse uma postura apenas da Veja, vá lá, a sua cara-de-pau já há muito não surpreende ninguém. Ruy Fabiano, contudo, me sai com uma idéia ainda mais bizarra:
“Ele [Lula] foi o fator de desequilíbrio, colocando em segundo plano – na verdade, em nenhum plano – os temas que poderiam ter algum relevo, reduzindo a campanha a um plebiscito entre ele e ‘os outros’.”
Meu caro Ruy, se a campanha tivesse se reduzido ao plebiscito proposto por Lula, teríamos tido um processo muito mais interessante e enriquecedor no que se refere ao debate de idéias. Poderíamos, por exemplo, colocar em questão um ponto, a meu ver, dos mais importantes, que passou em brancas nuvens: são as políticas do PSDB e do PT assim tão próximas a ponto de muita gente dizer que tanto faz quem ganhar? Essa, contudo, não era uma pergunta cuja resposta interessa a alguns setores políticos da sociedade, porque os detalhes talvez revelassem o quanto as agendas, mesmo onde parecem se irmanar, têm prioridades opostas.
Mas as coisas não param por aí:
“Seja quem for o vencedor, haverá conseqüências, dado o ambiente de exacerbação que essa conduta ocasionou. Lula investiu no sentimento divisionista da sociedade, o que é sempre perigoso, além de contraproducente.
“Não poucas vezes, incitou a luta de classes, atribuiu ao candidato adversário a pecha de inimigo dos pobres e do Nordeste, empenhado em vender o patrimônio público e desfazer benesses sociais, como o Bolsa Família, que, na verdade, nem foi concebida em seu governo, mas no do adversário. O resultado é preocupante.”
Acho ridícula essa idéia de que a sociedade brasileira era um todo homogêneo e bonitinho, cuja ordem o governo stalinista do PT veio pôr em xeque. As coisas só estavam no lugar para aqueles que sempre desfrutaram das regalias que um Estado exclusivista lhes garantia em detrimento de outros milhões de brasileiros.
A grande conquista do governo Lula foi, na minha opinião, a extensão de uma cidadania que existia no papel, mas que não podia ser vivida cotidianamente a uma parcela da população até então relegada às margens da sociedade. Nesse sentido, quem acirrou a luta de classes não foi Lula, mas uma classe média mesquinha que não queria compartilhar os privilégios que a diferenciavam da massa sem dentes do resto do país: foram reduções das vagas nas universidades públicas, reduto da classe média, pelas cotas raciais e sociais; foram os aumentos dos engarrafamentos nas grandes cidades, porque uma parcela maior da população podia comprar carros; foram os problemas nos aeroportos, que não tinham infra-estrutura para atender a crescente demanda de passageiros; foram esses espaços outrora exclusivos, agora partilhados por gente sem pedigree, que mostraram as chagas de um país que sempre foi dividido, mas que, enquanto era confortável e hipocritamente dividido, tudo bem.
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