Futorologia, já dizia Celso de Barros, é um exercício fundamental pra qualquer eleitor: no fundo, a gente acaba escolhendo um candidato ao invés do outro, porque criamos um futuro no qual seus feitos serão mais proveitosos, individual ou socialmente, do que os do seu adversário. Mas futurologia é uma coisa, o que este vídeo faz é outra completamente diferente.
Chamá-lo de grotesco é pouco. Talvez ele sequer merecesse isso. Uma coisa dessas deveria ser relegada ao limbo virtual. Mas eu não consigo fazê-lo. Não consigo por um motivo muito simples: na minha opinião, ele dá a verdadeira dimensão do conjunto de críticas de uma certa direita que se quer ilustrada e moderna aos oito anos do governo Lula.
Quer dizer, se lermos, isoladamente, os editoriais da Folha e do Estadão – salvo algumas boas exceções –, a Veja, Demétrio Magnoli, Reinaldo Azevedo, Diogo Mainardi, Rodrigo Constantino, etc., etc., etc., temos, claro, uma boa idéia da pobreza intelectual e moral de uma parte da imprensa brasileira. Mas, agora, depois de ter assistido àquele vídeo, tenho uma noção mais clara do tipo de narrativa sórdida que estava sendo montada na minha cara, dia após dia, sem que eu me desse conta de qual é a imagem do país que o público consumidor desses meios tem na cabeça.
E o que mais me incomoda, e me amedronta, é exatamente isso: sou um leitor relativamente assíduo daquela récua de intelectuais, mas não tinha a mínima noção do estrago que estava sendo feito.
Um exemplo que, noutro contexto, me passaria somente como mais uma dessas besteira, é o último post de Rodrigo Constantino, um economista liberal cujo blogue é acessado por mais de 60 mil pessoas por mês.
Pois bem, lá ele narra um debate de que participou na PUC-RJ, convidado que foi pela juventude do DEM-PSDB para defender a candidatura de Serra. (Um candidato de quem ele não é muito fã, porque é de esquerda demais para ele!) Segundo a Folha, seu discurso agressivo, que nada mais é do que uma coleção de idiotices – a democracia brasileira corre perigo, pois, para Lula, a Venezuela é o modelo a ser seguido; Serra representa a defesa das liberdades individuais; o MST é uma “favela rural”, etc. –, conquistou a maioria dos jovens estudantes. A conseqüência a gente percebe no depoimento solipsista que Karynna Fracosi, uma estudante de Administração da PUC-RJ, dá à Folha: “Não sei que popularidade é essa que eles dizem que o Lula tem. Eles chegaram aqui, num lugar de pessoas esclarecidas, e viram que a maioria não está com eles”.
Talvez seja simplesmente paranóia, mas o problema é que o que antes seria simplesmente risível ganha uma nova dimensão depois de ver aquele vídeo: esse tipo de discurso, que deslegitima um governo democraticamente eleito, acaba por criar a sensação de que o Estado foi assaltado por uma horda de metalúrgicos barbados e suas marionetes. Assim, se um dos pilares da democracia liberal – na verdade, seu ponto de origem – está na noção de que, e aqui cito um cara que gosto muito de ler, Vladimir Safatle, “toda ação contra o Estado ilegal é uma ação legal”, estamos a um passo de que isto e isto sejam vistos apenas como a reação necessária da parcela “esclarecida” da sociedade contra a ditadura dos petralhas.
E depois ainda tem idiota me dizendo que Lula é o culpado pelo clima tenso dessas eleições.
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