5 de novembro de 2010

Combo severino

É interessante que, na cobertura internacional, o “caso Mayara Petruso” seja tratado enquanto uma questão de racismo. Como eu estava conversando com meu amigo Rodrigo Barreto, o rótulo “nordestino” vai bem mais além. É uma espécie de combo dos preconceitos: de uma vez só, vai contra pobres, imigrantes e quem quer que não seja “branco” (as aspas é porque estamos no Brasil).

Enquanto isso, a Folha deu capa pro assunto, apenas depois de alguma chancela oficial: a OAB-PE pedir pro MPF investigar. E com a esquisitíssima manchete “Ministério Público investiga se aluna foi racista na web”. Mais uma vez, apenas a questão do racismo. Honestamente, fiquei sem saber se a manchete se referia mesmo a esse caso. Depois de relatar em parte o que ocorreu, diz a reportagem:

No Tumblr (site onde são postadas fotos), surgiu o "Diga não à xenofobia". Lá, é possível encontrar outras mensagens discriminatórias, inclusive contra Mayara.
Um dos usuários diz: "Como um bom nordestino que sou, matem afogada essa Mayara Petruso".
A mídia nordestina entrou na polêmica. O jornal baiano "Correio" estampou na capa de ontem uma foto de Mayara, com o título "A paulista". O editor-chefe do "Correio", Sergio Costa, disse não considerar a publicação preconceituosa, e sim irreverente. "A gente quis fazer uma edição que mostrasse que [a internet] não é um território totalmente impune."

Como veem, aparentemente há preconceito de todo lado. Tudo muito equilibrado. Dos nordestinos, talvez  ainda pior, pois parte da sua mídia.  E, a seguir:

Anteontem, a Folha esteve na faculdade de Mayara, na Liberdade. Ela foi descrita por um ex-colega, que pediu para não ser identificado, como "quieta" e "boazinha".
Outro estudante a defendeu: "Eu penso que nem ela. Muita gente pensa".
Também na internet, jovens que se dizem universitários divulgaram meses atrás o manifesto "São Paulo para os paulistas", que condena a migração de nordestinos. A bandeira: defender a cultura paulista contra quem "inunda nosso Estado".
Advogado em São Sebastião (SP), André Colli publicou no domingo mensagem comparando nordestinos a "porcos imundos", por, segundo ele, devastarem reservas florestais de sua cidade.
À Folha, disse que escreveu a mensagem por achar que os nordestinos favorecidos pelo Bolsa Família "não precisam nem trabalhar, ficam em casa fazendo filhos para manter o benefício".

9 comentários:

Paloma disse...

só piora..

Pogre disse...

Meu segundo comentário quando estourou esse absurdo no twitter foi sobre o movimento contrário. Não é ridículo criticar um comentário preconceituoso com um comentário preconceituoso?

Paloma disse...

É, a capa do Correio da Bahia é um bom exemplo disso; perde toda a moral de fazer qualquer crítica.
Quando eu reclamo aqui em SP que as pessoas usam "baiano" como xingamento, sinônimo de brega ou sei lá o quê, eu encho os pulmões pra falar: "pq lá na Bahia, se queremos xingar alguém chamamos de escroto, filho da puta, babaca, otário - a lista de palavrões é imensa. Não chamamos de paulista".

Paulo Bap disse...

"Criticar um comentário preconceituoso com um comentário preconceituoso" (Pogre). Ação e Reação? Autorregulação?

Como sou mau entendedor e, a este, toda palavra não basta, não tinha entendido bem, depois de ler o post que deu origem à série (Mainardi na SaferNet), qual seria a alternativa à judicialização.

A única que enxergava era algo como a vingança de Lupicínio ("Mas, enquanto houver força em meu peito, eu não quero mais nada. Só vingança, vingança, vingança aos santos clamar..."), só que levada a efeito, em vez de apenas clamada aos santos, com o que não concordava (ao mesmo tempo, sabia que, se também fosse essa a única opção vista por Felipe, ele não teria questionado a judicialização).

Depois de ler, neste blog, mais posts e comentários a respeito, a terminar por este, enfim, entendi e, embora ache importante a autorregulação, creio que, na panela de pressão social em que o mundo vive hoje, ela pode, sim, incorrer em olho por olho, dente por dente ou, ainda, abrir espaço para a aplicação da lei do mais forte, justamente quem mais precisa de regulação. Ou não entendi?

O Chato dos Poemas disse...

Sinto em dizer, mas devo dizer: Não acredito neste chumbo trocado com o preconceito contra "A paulista". Mais uma vez, devo ressaltar a incapacidae deste povo (o brasileiro em sua totalidade - que vê sua existência ameaçada ultimamente) em discutir de forma crítica e racional qualquer que seja o assunto. Sendo assim, topo o trocadilho e o considero, senão problematizador, ao menos um gatilho para que, entre olhares de chacota, o povo comece a se questionar sobre os lugares geográficos, econômico e sociais muito bem marcados neste conjunto de estados que não é nação!
O povo nordestino, assim como negros, mulheres, gays, vêm sendo alvo de preconceito e sanções de direitos há SÉCULOS e, não é uma matéria de jornal, que fará os oprimidos se igualarem aos opressores!
O que mais irrita os paulistinhas (este sim, xingamento típico de baiano contra os da banda de cá) é que as minorias estão a perceber (porque ainda demora muito para a percepção total) que são a maioria.
E se não se trata de ignorância os atos desta futura - espero que não - doutora do direito, trata-se do que???
Pensar em São Paulo como uma locomotiva que trilha seu caminho sozinha e que carrega o Nordeste nas costas é no mínimo ignorância. Se é impossível, a ela, entender as relações de inserção dos nordestinos em São Paulo e os privilégios que este povo trouxe a esta terra de TODOS ( no sentido de sem dono e não de igualdade), peço que se lembre da linha de metro amarela, a única da iniciativa privada, imposta assim pelo período de 30 anos por Alckimin, a única sem condutor e a única - EM TODA A HISTÓRIA - do humilde metrô paulista a amarelar e sair dos trilhos!
Resumo: NON DVCOR DVCO de CV é ROLA!
Agora, meus pares e caros nordestinos, não é hora do "Lá ela" e sim do à ela o que é DELA!

Felipe Leal disse...

"Não é uma matéria de jornal que fará os oprimidos se igualarem aos opressores" - era isso que eu queria dizer... A capa do Correio é bizzara, mas dizer que está se criando uma onda contrária, como sugere a matéria da Folha, pra mim pode ser outro jeito de abafar o caso.

Paulo Bap disse...

Aproveito pra esclarecer: quando falei em olho por olho, dente por dente como solução desvirtuada contra os abusos, referia-me a luta entre iguais, de mesmo olhar e mordida, o que não é o caso aqui, que tá mais pra lei do mais forte, no caso a Folha, SP... Por isso, concordo que não há onda contrária, mas marolas, de vento nordeste.

Pogre disse...

Paulo,

Não acho que a única opção à judicialização seja a lei de talião. É plenamente possível a autorregulação sem descambar para a vingança de Lupicínio. O que está acontecendo na Unesp, desconsiderando a ameaça de denúncia pelo Ministério Público, é um exemplo de autorregulação. A presença da instituição apurando infração disciplinar, a comoção de alunos, estudantes, funcionários e várias outras pessoas em repúdio manifesto e à conduta dos caras que participaram, a reunião das pessoas para discussão do assunto publicamente, o apoio público e solidariedade declarada às meninas, o debate do caso na mídia e em diversos setores (inclusive aqui), tudo isso é autorregulação. Essas atitudes conduzem a uma reflexão das pessoas (que remete ao amadurecimento que eu tinha mencionado) e expõem a conduta equivocada dos ofensores, que são julgados pelos seus pares, colegas, familiares, empregadores, etc (o que deveria aplacar a sensação de impunidade), tudo sem implicar novas violações de direitos ou estimular condutas de reação socialmente indesejáveis.

Admito que o caso que eu trouxe pra exemplificar é bem polêmico e está no limiar da autorregulação/judicialização, mas se nos atermos à questão geral que iniciou a conversa, é importante ter em mente que autorregulação é sim uma alternativa viável em muitos casos e que ela pode ser implementada sem responder um erro com outro.

Paulo Bap disse...

Pogre, apenas fico pensando nos casos em que não há a devida repercussão, na sociedade ou na mídia, por falta de interesse ou mesmo de conhecimento, quando, aí sim, as minorias podem ficar reféns da lei do mais forte (a mais vigente), se não quiserem aplicar a de talião ou a de lupicínio.

Mas não discordo de você e até citei, em comentário anterior, que acho importante a alternativa da autorregulação, defendida com bons argumentos por vocês aqui.

Talvez seja mesmo o caso de se analisar caso a caso o que vem mais ao caso!