24 de novembro de 2010

Se não for solipsista é o quê?

Depois Pogrinho vem reclamar que eu ando abusando da palavra “solipsismo”, mas como é que dá pra gente entender o que anda se passando com a direita brasileira sem se valer dela? (Isso, claro, sem contar todo o colorido erudito que ela dá ao post, né?)

Voltando ao ponto, não sei mais se uma das grandes questões da oposição é encontrar um discurso próprio, renovado, que faça frente ao espaço hoje ocupado pelo PT, mas, sim, encontrar um discurso que não pareça escrito em javanês. Agora é a vez de Rodrigo Constantino, que, num post enaltecendo o Fórum da Liberdade, organizado pelo Instituto de Estudos Empresariais – “o maior fórum liberal da América Latina, quiçá do mundo!” –, escreveu:
Roberto Civita, presidente do Grupo Abril, foi homenageado com o Prêmio Liberdade. E que homenagem merecida! A revista Veja tem sido um dos principais pilares na defesa da liberdade no país, com seu jornalismo investigativo que já derrubou ministros importantes envolvidos em escândalos de corrupção. Para medir o valor do trabalho em prol da liberdade da revista Veja, basta verificar a virulência com a qual os mais retrógrados dinossauros da esquerda carnívora atacam o veículo de comunicação. O discurso de Civita, como de praxe, foi excelente, com sua tradicional defesa do que chama de "indissolúvel interdependência" para a liberdade: livre iniciativa, liberdade de expressão e democracia
Comentando as palestras, ele toca num ponto que não deixa de ter sua graça pruma corrente de pensamento que já disse que “socialismo democrático” é um oxímoro:
Paulo Rabello de Castro fez uma palestra dinâmica em seguida, tocando em pontos importantes que são muitas vezes ignorados pelos liberais. Sua idéia é levar o capitalismo para o povo, sem medo de usar o termo "social".
E, no que se refere à questão agrária, dois especialistas:
Em seguida falou o príncipe Dom Bertrand de Orleans e Bragança, que chamou os assentamentos do INCRA de "favelas rurais". Ele mostrou como é o agronegócio que garante a produtividade no campo.
E, claro, não poderia faltar ela, a musa da bancada ruralista:
Para fechar o painel, a senadora Kátia Abreu fez um ótimo discurso, mostrando o absurdo dos critérios arbitrários que o governo usa para desapropriar fazendeiros "improdutivos". Ela disse estar lendo Gramsci para conhecer melhor seus oponentes. […] A senadora disse confiar na Justiça, o último recurso daqueles que querem apenas preservar suas propriedades e produzir alimentos.
Por fim, uma conclusão... solipsista:
Os liberais contam com os melhores argumentos teóricos, com toda a experiência empírica a seu favor, mas pecam pela falta de melhor organização e divulgação de suas idéias. O IEE vem fazendo um excelente trabalho neste sentido, mas ainda é pouco. Precisamos de mais institutos e fóruns debatendo os valores liberais país afora. Os brasileiros, muitas vezes mantidos na ignorância por falta de oportunidade, precisam conhecer melhor os pilares do liberalismo, doutrina responsável pelo progresso material e também espiritual das nações mais desenvolvidas.
A Irlanda que o diga…

2 comentários:

Pogrinho disse...

Não é solipsismo. Aliás, é bem feio isso que você está fazendo de querer desconstruir o argumento pela pura deslegitimação.

Quando eu reclamei do uso frequente de "solipsismo" por você era uma crítica estética (além de feia, é uma palavra pedante), não crítica de conteúdo. Mesmo porque encarei o seu uso como exagero pra fazer o ponto, exagero que era válido no momento. Só que agora o tom não é mais de exagero, mas de literalidade. E se é literalidade, ai tenho que discordar e criticar sua postura.

Deslegitimar as opiniões dos outros porque não são especialistas nas questões agrárias é o mesmo que deslegitimar nossas discussões aqui.

Além disso, deslegitimar opinião como solipsismo é matar o debate. As partes transcritas demonstram opiniões, juízos de valor baseados em fatos objetivos. Você tem todo o direito de discordar das conclusões, ou discutir os fatos apontados como premissa, mas dizer que é solipsimos é matar a confrontação de ideias, é dizer que o outro é incapaz de raciocinar a partir da realidade e, portanto, incapaz de desenvolver o debate. Absurdo ou não, as opiniões transcritas foram formuladas a partir de fatos objetivos e podem (e devem) ser debatidas.

Muito feio, rapazinho.

Rodrigo Cerqueira disse...

Rapaz, eu concordo com vc que este post é mais irônico do que reflexivo. Uma ironia, diga-se de passagem, que mais das vezes aplico aos textos que escrevo, quando os defino como pseudo-analíticos. E é disso que estou falando: do mesmo jeito que eu tenho o direito de dar minha pseudo-opinião por aqui, eles têm de dar a deles -- isso sem contar que Kátia Abreu conhece a questão agrária muito mais do que eu --, o que não implica que eu não possa tirar um sarro, tanto de mim, quanto deles.

No mais, não acho que tenho desligitimado o argumento de um certo pensamento conservador brasileiro pela pura deslegitimação, assim como não acho que tenho matado a confrontação de idéias". Muito pelo contrário, principalmente se vc tiver em vista o o último texto que escrevi, no qual tento contextualizar a emergência disso que chamaria, até mesmo pra te encher o saco, de "solipsismo conservador". Assim, solipsismo -- cujo pedantismo não deixa de ser uma auto-ironia -- se torna, guardada as devidas proporções intelectuais da coisa, uma espécie de categoria analítica: meu argumento tem sido, há muito tempo, de que a direita brasileira fala "pra dentro", para si mesma, e ainda não conseguiu encontrar um canal de diálogo com uma parcela maior da população, uma parcela dentro da qual, no canso de insistir, está um monte de gente que não gosta do PT, mas que não engole esse tipo de atitude.

Nesse sentido, acho que o texto que postei se encaixa nessa moldura sobre a qual eu tenho tentado refletir, mais pra tese do que qualquer coisa, mas cujas implicações a gente não deixa de sentir hoje: que realidade é essa na qual a "Veja tem sido um dos principais pilares na defesa da liberdade de imprensa"?, na qual o agronegócio brasileiro está apenas interessado em "preservar suas propriedades e produzir alimentos"?, na qual o liberalismo conta "com os melhores argumentos teóricos, com toda a experiência empírica a seu favor"? É verdade, cada uma dessas afirmações pode e deve ser debatida -- e é isso que eu acho que a gente tem feito aqui --, mas a questão que eu coloquei neste post nem é tanto essa quanto: pra quem é que Rodrigo Constantino está escervendo? Será que ele não percebe que, colocadas dessa maneira, como verdades indiscutíveis, ele fala só pra quem já concorda com ele? Isso, meu amigo, é que eu chamo incapacidade de desenvolver o debate.