É com muito pesar, mas eu devo dizer que discordo de Felipe, uma das pessoas mais sensatas que eu conheço. (Se não a mais. Quer dizer, talvez a única.) Pois bem, já tinha lido, não me lembro onde, algum comentário dele, que andava meio impressionado com a proporção do caso da bolinha de papel que acertou a cabeça de Serra no Rio de Janeiro. Numa das nossas trocas de email, ele voltou ao assunto: “Impressionante é que isso tenha virado objeto de debate.”
Pois eu discordo, meu caro. Agradeço aos céus – está na moda a gente fazer a média com a Igreja – que isso tenha ocupado o espaço que ocupou, pois eu acho que ele ilustra perfeitamente o que tenho sido a cobertura política da nossa mídia nativa desde 1989 – não que eu tenha algum conhecimento mais aprofundado sobre o assunto, são apenas impressões – e sua incapacidade de acompanhar as mudanças do país e dos meios de comunicação.
A escolha de 1989 é óbvia. Hoje é mais do que conhecido o papel que as grandes corporações midiáticas – a Globo em particular – tiveram no resultado da primeira eleição direta depois de mais de duas décadas de ditadura: para ficarmos em dois exemplos, a atribuição do seqüestro do empresário Abílio Diniz a militantes do PT e a edição tendenciosa que o JN mostrou do último debate do segundo turno.
Não sei se exagero ao dizer que as eleições de 89 foram mais um passo no lento, gradual e seguro processo de abertura política: primeiro, um colégio eleitoral elegeu, em 1985, por voto indireto, Tancredo Neves presidente da república. Depois, no que deveria ter sido um processo democrático e pluripartidário, a vontade popular – uma coisa que sempre foi vista com desconfiança, da qual o “Ficha-limpa” é só mais um exemplo (lincaria aqui o excelente texto de Wilson Gomes sobre o assunto, mas como o blogue dele só vive raqueado, paciência) – foi novamente posta em suspenso: agora não era mais a arbitrariedade de um regime de exceção que ditava as regras do jogo, mas , sim, os interesses de uma minoria que, como um pai zeloso, estava certa de que somente ela sabia o que é melhor para o país. (E parece ainda estar.)
Mais de vinte anos se passaram, e os grandes meios de comunicação continuam tratando seus consumidores como se nós fôssemos Homer Simpson. Uma comparação duplamente ofensiva: primeiro, porque não vejo como Homer pode servir de modelo de qualquer coisa para alguém; segundo, porque, ao menosprezar nossa capacidade interpretativa, William Bonner tenta nos vestir uma carapuça que já vem mal-ajambrada desde a confecção: seríamos, segundo o âncora do JN, “pais de família, trabalhadores, protetores, conservadores, sem curso superior, que assistem à TV depois da jornada de trabalho.”
O problema é que o tempo do pensamento único que se travestia de consenso parece ter seus dias contados. (Eu acho que a falta de rumo da campanha de Serra tem muito a ver com isso. Até hoje os tucanos não entendem porque lhes falta adesão se eles são obviamente tão melhores.)
E o caso da bolinha de papel, nesse sentido, é exemplar. Primeiro, outros meios de comunicação já conseguem uma certa autonomia em relação à pauta política da Globo, como foi o caso da matéria do SBT. Segundo, parece haver se invertido a lógica da comunicação, de acordo com a qual os grandes meios decidem o que e o que não é notícia. Em questão de horas uma informação – falsa ou não – se espalha com uma tal facilidade por uma ferramenta como o Tuíter que a Globo se vê na obrigação de “prestar contas” das informações que veicula. (Uma tag como #globomente chegou aos primeiros lugares dentre os trend topics internacionais, o que nenhum meio de comunicação pode mais se dar ao luxo de ignorar.) Terceiro, a facilidade de acesso a equipamentos eletrônicos faz com que qualquer internauta mais interessado no assunto possa por à prova o que foi veiculado, como foi o caso do professor da UFSM, que desconstruiu Ricardo Molina, o especialista do JN.
Acontece que, ao mesmo tempo em que cresce a disponibilidade e o interesse pela pluralidade de pontos de vista, nossa mídia nativa continua acorrentada à velha idéia de infalibilidade do jornalismo. (Uma idéia sem a qual, é bom que se diga, os meios de comunicação ficariam mais vulneráveis à noção de que toda informação é politicamente enviesada, o que poria por terra a pretensa imparcialidade sobre qual assentam boa parte do seu capital simbólico.) No mesmo dia em que saiu a notícia de que o Brasil atingiu índices de desemprego inacreditáveis – Idelber fala que é o menor da história da República –, a Globo se viu obrigada, por causa de um bando de desocupados, a dedicar sete minutos do seu principal telejornal para tentar provar que ainda é a única detentora da capacidade de informar a verdade dos fatos.
Contudo, ao que parece, fizeram uma bolinha de papel com a folha do calendário que marcava eternamente 1989. Protejam suas cabeças.
3 comentários:
Que viadagem é essa? Antes de começar um texto numa rasgação de seda da porra de vc para Felipe. Afff!
Cara Roll, sinto muito, mas esse é um blogue de idéias. Portanto, sempre tendo em vista o aprofundamento do debate, gostaria de ouvir seus argumentos: a senhora conhece alguém mais sensato do que Felipe?
Eu não conheço Felipe o suficiente para julga-lo sensato ou não.
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