Estamos entre o bairro da Aclimação e o da Liberdade. Sento pra almoçar numa mesa com seis lugares, vazia. Começo a comer seguindo a primeira dieta metódica que tento na vida: 1/4 do prato proteína, outro 1/4 carboidrato, e a metade restante, salada.
Chegam dois homens e uma mulher. Um mais gordinho e de óculos, que obviamente não segue minha dieta (nem minhas inclinações políticas, logo se verá), outro magro, todo penteado. A moça, loira, aquela cara de boa funcionária. Todos nos seus quarenta, devem trabalhar em alguma empresa ou hospital por aqui.
- Vou colocar na mesa do Zé Roberto um mapa da eleição. Da Bahia pra cima, Dilma. Esse é o Brasil que dá certo, ahá -diz o que não preenche a metade do prato com leguminosas.
Num ponto ele parece ter razão, embora nós pudéssemos ter alguma discussão acerca do que diabos “dar certo” quer dizer, e evidentemente eu considere esse tipo de ironia uma ofensa à própria ironia enquanto recurso expressivo. Olhaí o mapa feinho da página da Folha.
Mais lá pra adiante, a discussão: em que estados Dilma ganhou, em quais não ganhou…
- E Minas, o que dizer de Minas, hein?
- Ah, Minas já é Bahia demais!
A coisa, de fato, vai se avermelhando à medida que chega no Norte:
Fico feliz de que hoje esse seja o significado de “Bahia demais”. Minas então é, junto com o Rio, em parte “culpada” pela vitória de Dilma. Como bem falou Eliano Jorge no Terra Magazine (apesar de chamá-los “críticos” ser bondade demais):
“O Sudeste, idealizado pelos críticos de nordestinos e nortistas como bastião do PSDB, deu à petista 1.630.614 eleitores a mais do que seu adversário. Esta quantidade supera em 839.695 votos a soma das vantagens que Serra teve no Sul, 656.485, e no Centro-Oeste, 134.434.
Embora o candidato tucano tenha acumulado 1.846.036 votos a mais do que Dilma em São Paulo, ele perdeu no segundo e no terceiro maiores colégios eleitorais do País, Minas Gerais e Rio de Janeiro, respectivamente com saldo negativo de 1.797.831 e 1.710.186.”
Ou seja, mesmo sem N e NE, Dilma tava eleita.
Discursos como os dos meus indigestos comensais certamente mostrariam as correlações entre índices educacionais e votos pra explicar o “fenômeno”. Eu boto fé é em algo por aqui, ó:
Como diria Rodrigo Cerqueira, olha a luta de classes aí. Será que “nordestino” não é só um jeito menos direto de dizer “pobre”?
A princípio, já disse até, nem acho que serristas e o pessoal do S e SE são na maioria preconceituosos. Mas parece sim ter uma média de opinião nesse sentido – a conversa que escutei e as tuitadas infelizes já mencionadas só mostram isso. E até agora não vi Serra vir a público e dizer: olha aqui, sou contra essa bagaça rolando no Twitter. E, mesmo que diga, quero ver agora ele se mostrar como “eu sou a esquerda do PSDB” depois dessa eleição, desse segundo turno, dessa ressaca da derrota.
Eu queria concluir com uma analogia entre a minha dieta e uma presumível tipologia dos eleitores de Serra. Ia tudo ficar mais coeso e charmoso, mas o quinhão da salada (50%) tá pequeno demais pra encaixar aqueles que, em momentos mais tensos como este, fico sem palavras civilizadas pra qualificar.
2 comentários:
Sabe o que mais me chamou à atenção? A distribuição de votos no município de São Paulo. Aqui a correlação entre nível de renda e voto é ainda mais clara:
http://www.estadao.com.br/especiais/o-2-turno-na-capital-paulista-zona-a-zona,123645.htm
Rapaz, realmente.
Acompanhando o mapa, dá pra ver que corresponde também quase certinho às extremidades da cobertura do metrô: Tucuruvi, Itaquera, Jabaquara e (tá chegando lá)Butantã tão com Serra.
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