31 de outubro de 2010

Olha só os outros, mas que inferno!

Chega ao fim, daqui a pouco, a pior campanha política desde 1989. E não fui eu quem disse, que não me lembro sequer da 1993. Foi Luiz Nassif em um dos seus tuítes. Goste ou não dele, o cara está cobrindo política há séculos.

Nesse momento, a Veja posa, mais uma vez, de vestal da democracia brasileira.

“Mas por que um assunto distante das discussões relativas ao futuro do país marcou o segundo turno de forma tão presente, enquanto programas de governo simplesmente desapareceram? Para cientistas políticos ouvidos pelo site de VEJA, o “fenômeno” retrata o vazio da campanha deste ano, especialmente no segundo turno.

29 de outubro de 2010

Uma idiotice + uma idiotice + uma idiotice + … = ?

Futorologia, já dizia Celso de Barros, é um exercício fundamental pra qualquer eleitor: no fundo, a gente acaba escolhendo um candidato ao invés do outro, porque criamos um futuro no qual seus feitos serão mais proveitosos, individual ou socialmente, do que os do seu adversário. Mas futurologia é uma coisa, o que este vídeo faz é outra completamente diferente.

28 de outubro de 2010

O peso de uma bolinha de papel

É com muito pesar, mas eu devo dizer que discordo de Felipe, uma das pessoas mais sensatas que eu conheço. (Se não a mais. Quer dizer, talvez a única.) Pois bem, já tinha lido, não me lembro onde, algum comentário dele, que andava meio impressionado com a proporção do caso da bolinha de papel que acertou a cabeça de Serra no Rio de Janeiro. Numa das nossas trocas de email, ele voltou ao assunto: “Impressionante é que isso tenha virado objeto de debate.”

Pois eu discordo, meu caro. Agradeço aos céus – está na moda a gente fazer a média com a Igreja – que isso tenha ocupado o espaço que ocupou, pois eu acho que ele ilustra perfeitamente o que tenho sido a cobertura política da nossa mídia nativa desde 1989 – não que eu tenha algum conhecimento mais aprofundado sobre o assunto, são apenas impressões – e sua incapacidade de acompanhar as mudanças do país e dos meios de comunicação.

A escolha de 1989 é óbvia. Hoje é mais do que conhecido o papel que as grandes corporações midiáticas – a Globo em particular – tiveram no resultado da primeira eleição direta depois de mais de duas décadas de ditadura: para ficarmos em dois exemplos, a atribuição do seqüestro do empresário Abílio Diniz a militantes do PT e a edição tendenciosa que o JN mostrou do último debate do segundo turno.

Não sei se exagero ao dizer que as eleições de 89 foram mais um passo no lento, gradual e seguro processo de abertura política: primeiro, um colégio eleitoral elegeu, em 1985, por voto indireto, Tancredo Neves presidente da república. Depois, no que deveria ter sido um processo democrático e pluripartidário, a vontade popular – uma coisa que sempre foi vista com desconfiança, da qual o “Ficha-limpa” é só mais um exemplo (lincaria aqui o excelente texto de Wilson Gomes sobre o assunto, mas como o blogue dele só vive raqueado, paciência) – foi novamente posta em suspenso: agora não era mais a arbitrariedade de um regime de exceção que ditava as regras do jogo, mas , sim, os interesses de uma minoria que, como um pai zeloso, estava certa de que somente ela sabia o que é melhor para o país. (E parece ainda estar.)

Mais de vinte anos se passaram, e os grandes meios de comunicação continuam tratando seus consumidores como se nós fôssemos Homer Simpson. Uma comparação duplamente ofensiva: primeiro, porque não vejo como Homer pode servir de modelo de qualquer coisa para alguém; segundo, porque, ao menosprezar nossa capacidade interpretativa, William Bonner tenta nos vestir uma carapuça que já vem mal-ajambrada desde a confecção: seríamos, segundo o âncora do JN, “pais de família, trabalhadores, protetores, conservadores, sem curso superior, que assistem à TV depois da jornada de trabalho.”

O problema é que o tempo do pensamento único que se travestia de consenso parece ter seus dias contados. (Eu acho que a falta de rumo da campanha de Serra tem muito a ver com isso. Até hoje os tucanos não entendem porque lhes falta adesão se eles são obviamente tão melhores.)

E o caso da bolinha de papel, nesse sentido, é exemplar. Primeiro, outros meios de comunicação já conseguem uma certa autonomia em relação à pauta política da Globo, como foi o caso da matéria do SBT. Segundo, parece haver se invertido a lógica da comunicação, de acordo com a qual os grandes meios decidem o que e o que não é notícia. Em questão de horas uma informação – falsa ou não – se espalha com uma tal facilidade por uma ferramenta como o Tuíter que a Globo se vê na obrigação de “prestar contas” das informações que veicula. (Uma tag como #globomente chegou aos primeiros lugares dentre os trend topics internacionais, o que nenhum meio de comunicação pode mais se dar ao luxo de ignorar.) Terceiro, a facilidade de acesso a equipamentos eletrônicos faz com que qualquer internauta mais interessado no assunto possa por à prova o que foi veiculado, como foi o caso do professor da UFSM, que desconstruiu Ricardo Molina, o especialista do JN.

Acontece que, ao mesmo tempo em que cresce a disponibilidade e o interesse pela pluralidade de pontos de vista, nossa mídia nativa continua acorrentada à velha idéia de infalibilidade do jornalismo. (Uma idéia sem a qual, é bom que se diga, os meios de comunicação ficariam mais vulneráveis à noção de que toda informação é politicamente enviesada, o que poria por terra a pretensa imparcialidade sobre qual assentam boa parte do seu capital simbólico.) No mesmo dia em que saiu a notícia de que o Brasil atingiu índices de desemprego inacreditáveis – Idelber fala que é o menor da história da República –, a Globo se viu obrigada, por causa de um bando de desocupados, a dedicar sete minutos do seu principal telejornal para tentar provar que ainda é a única detentora da capacidade de informar a verdade dos fatos.

Contudo, ao que parece, fizeram uma bolinha de papel com a folha do calendário que marcava eternamente 1989. Protejam suas cabeças.

21 de outubro de 2010

Resposta a Ricardo Lins Horta

Vou postar agora o último email que eu enviei pra Rodrigo (estranhamente sem ofensas pessoais). Achei o título que eu dei pretensioso, porque embora esteja comentando um artigo dele muito bem fundamentado, minha ideia não é esgotar o assunto (por falta de tempo e falta de conhecimento). São apenas minhas opiniões sobre o texto.

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Discordo de um monte de coisa escrita no artigo. Infelizmente agora não consigo acessar todos os links, mas minha impressão geral é:

O tópico 1 (aparelhamento do estado) soou coerente (e contrário a uma ideia firmada que eu sempre tive). Teria que avaliar os dados e gostaria de ouvir alguém de opinião contrária que pudesse argumentar mais solidamente do que eu posso, já que não conheço os meandros desse tipo de informação.

Os tópicos 2 (combate a corrupção), 3 (política econômica) e 4 (instituições democráticas) estão bem deturpados.

Em geral atribuem ao governo do PT méritos que não são do governo do PT, como a limpa interna da PF, já que as operações de investigação interna e a mudança de postura começaram na era FHC. Aliás, os petistas durante muito tempo diziam que a "PF é tucana" coisa que sempre achei um absurdo (eu pensava "os caras perseguem criminosos e o PT diz que são tucanos, isso é quase como dizer q seu adversário é honesto e vc não, isso não faz sentido"). Outro exemplo, o decreto contra o nepostismo do governo federal que ele aponta como sendo uma iniciativa do governo do PT contra a corrupção. Esse decreto é de junho de 2010!!! Ou seja, veio bem depois de o STF, que nada tem a ver com o governo, ter afirmado categoricamente que o nepotismo é vedado em todos os poderes (e teve aquela brigaiada no senado e o Lula vergonhosamente curvou-se ao PMDB apoiando o Sarney no escândalo do nepotismo).

No tópico 2 ele só tem razão ao afirmar que é muito difícil medir corrupção. Eu juro que concordo com a afirmação de que houve menos corrupção no governo Lula do que no governo FHC, mas não atribuo isso ao governo do PT, ao contrário, acho que houve menos corrupção apesar do governo do PT. E digo apesar porque o PT, em todos os escândalos de corrupção que pipocaram perigosamente perto do palácio do planalto, adotou estratégia de negar a existência ou negar conhecimento. Manter a imagem (ainda que acobertando caras pegos em flagrante) sempre foi mais importante que investigar e punir. Atribuo a diminuição da corrupção a um amadurecimento da sociedade brasileira, apesar da postura do presidente que sempre fez pouco caso pra isso.

No tópico 3 ele também deturpa as coisas. Usa um argumento meio infantil de que "nem sempre foi assim no governo FHC", ok, é verdade, mas o tripé econômico do segundo mandato o que foi? Os fundamentos econômicos do segundo mandato FHC que ele aponta foram integralmente mantidos na era Lula. São os mesmos fundamentos. As demais ações, que o PT tem mérito sim por ter conduzido, são ajustes finos. Expansão de crédito, aumento de reserva, taxa de crescimento maiores e criação de emprego são consequências dessa política econômica, não medidas que foram tomadas pelo governo Lula e não foram tomadas pelo governo FHC. No esforço de dizer que a política econômica do Lula não é uma continuidade do governo FHC (argumento bobo, na minha opinião, pois em política o importante é a implementação, não a autoria das ideias) ele acaba se encurralando sozinho e deixa evidente que é verdade que a política econômica do Lula foi continuidade da política do econômica do FHC (mérito de ambos).

No tópico 4 ele "esqueceu" das interferências do governo nas agências reguladoras. É inócuo defender que o governo Lula não é uma ditadura. Não é, evidentemente, nem conseguiria ser (acho, espero). O que se tem que analisar é a postura do governo em temas polêmicos, tanto objetivamente, quanto a postura adotada. E o que me incomoda no governo Lula e muito mais na Dilma (e no Serra também) é a postura, a arrogância de acharem que o Estado deve não só regular os mais variados temas, mas que eles são mais capacitados para decidir qualquer coisa. O governo Lula reiteradamente usou a máquina pública para imiscuir-se em decisões totalmente privadas. Os grandes fundos de pensão são geridos politicamente (com p minúsculo), os caras interferem no comando de empresas privadas importantes (a ingerência na presidência da Vale foi foda). A política de empréstimo do BNDES evidencia decisões pouco consistentes (frigoríficos gigantes, oligopolistas, que estavam quebrados, receberam uma enxurrada de grana do BNDES, enquanto vários menores não conseguem se alavancar). E o maior escândalo do governo Lula, na minha opinião, foi o caso da Br-Oi, na qual mudaram a legislação, interferiram em agência reguladora (tiraram conselheiro que já tinha manifestado opinião contrária e botaram outros pra votar como eles queriam), deram um caminhão de dinheiro subsidiado, tudo sob a pueril justificativa de "criar uma supertele de capital nacional". O que eles fizerma foi enriquecer muito alguns poucos amigos próximos. Nem a justificativa da supertele nacional se sustenta mais, já que a empresa foi vendida pra invetidor estrangeiro (o que era totalmente previsível à época). Considero esse o maior escândalo não sob o aspecto estritamente moral (dinheiro na cueca é muito mais emblemático e divertido), mas porque houve um ataque institucional, oficial, a instituições democráticas. E o pior, tudo evidente, todo mundo sabia que era pra beneficiar um pequeno grupo e ficou por isso mesmo.

Esse é, sem dúvida, o ponto mais subjetivo e o ponto que eu mais tenho reservas em relação aos nossos candidatos. E falo no plural porque o perfil do Serra é bem parecido nesse aspecto. Não me sinto minimamente representado por nenhum dos dois.

No tópico 5, infelizmente, tenho que concordar com o texto. A campanha de Serra está sendo baixa (vergonha alheia pela bolinha de papel) e, ainda que se possa atribuir parte do terrorismo a terceiros, sem dúvida ele está alimentando isso e se aproximando dos setores mais conservadores da sociedade. Se a Dilma assumisse o que pensa e adotasse claramente a bandeira liberal, com todas as reservas que tenho pra ela, ela teria meu voto. Só que ao invés de defender seus ideais, o que ela faz? Assina a tal da carta retrógrada (que confesso não ter lido). Mais um motivo para não me sentir representado por esses candidatos que estão ai.

Inauguração

Então tá. Peço licença para apresentar o mais novo (e até onde sei, o primeiro) boi de piranha desse blog: eu mesmo. Inspirado em nossos debates por email, meu amigo Rodrigo fez um convite para contribuir nos debates aqui. Como nós normalmente discordamos de quase tudo quando o assunto é política, ele quer é alguém pra bater publicamente. Em parte por pura vaidade e em parte pelo prazer de debater com meu amigo, estou me submetendo a ser achincalhado.

Apesar disso, ou justamente por isso, acho que mereço o privilégio de alguns poréns antes de começar (embora já tenha começado sem saber que ia começar, pela malandragem de postarem um email meu aqui).

Primeiro, eu não sou comunista, nunca achei o comunismo (o de verdade) bonito, não concordo com o nome do blog ou suas cores. Segundo, nunca votei no PT, ao contrário, mas tento ser racional nas minhas opiniões políticas. Terceiro, não tenho nenhum tipo de filiação ou vinculação partidária, tenho algumas poucas simpatias no mundo político, mas por ordem puramente ideológica, nenhum interesse pessoal direto. Quarto, não me considero uma pessoa politizada, nem acompanho de perto o mundo político, leio as coisas que me chamam à atenção sem nenhuma sistemática e acho que sou precipitado em formar minhas próprias opiniões, mas formo ainda assim, com esforço de tentar ser coerente e mudo de opinião de vez em quando. Quinto, como infelizmente não tenho o tempo que gostaria pra dedicar-me à pesquisa na hora de postar, meus posts serão escritos de chofre, respostas às provocações, logo a maior parte das minhas afirmações virá sem referência, ficando sujeitas a contestação e eventual comprovação (mas juro que não pretendo mentir). Essa ressalva também vale pra revisão de texto, combinado? Sexto e por último (que isso já está enchendo a paciência), estou profundamente desiludido com as alternativas de presidente que nos restaram, mas meu voto ainda vai para o Serra (embora com uma convicção muito menor que no começo das eleições, quando já não era grande).

Pra resumir: minhas palavras aqui não têm nenhum compromisso com nada, exceto com minhas próprias opiniões e uma lealdade intelectual que tento manter. Aceitei o convite na crença de que a oposição de ideias pode ser útil pra quem acompanhar o blog (alguém lê de verdade?), mas se não for útil, que pelo menos seja divertido.

Ah, uma última ressalva importante. Eu gosto muito de xingar meus amigos e tenho uma certa predileção por ofender Rodrigo. Aqui vou tentar ser educado, mas não garanto nada nesse sentido. No fundo, acho que ele trouxe o debate pra cá porque não estava conseguindo responder meus vitupérios à altura.

20 de outubro de 2010

A resposta de verdade (parte 1 de 3)

(Primeiro, peço desculpas a Pogrinho pela publicação do email. Percebe-se que foi um texto escrito de supetão, sem mais maiores preocupações. Mas, como ainda assim, é algo que está acima da média do que tenho lido – à esquerda e à direita –, vale uma resposta que ao menos tente estar a sua altura. Vamos lá…)

Boa parte da sua indignação com Lula está no fato de que ele faz o que você define como crítica genérica e abstrata à imprensa. Se eu entendi bem o que você quer dizer, falta, às falas do presidente, alvos específicos e exemplos concretos, o que daria peso às suas colocações. Até aí tenho que admitir que concordo com o que você diz.

O problema é que, desse fato, você tira uma conclusão que me parece precipitada: que isso é acaba por flertar com o autoritarismo. Primeiro, acho o exemplo que você traz para ilustrar seu argumento – o caso da Venezuela – particularmente fraco. As críticas de Chávez à imprensa do seu país podem ser tudo, menos genéricas e abstratas. Você se esqueceu que, em 2002, Chávez, um presidente eleito por vias democráticas, sofreu um golpe de estado, no qual o papel da imprensa foi fundamental?

Isso sem contar um outro problema no seu exemplo: o caso venezuelano me parece demasiadamente complexo pra ser tomado assim, maniqueistamente. Além de uma ambigüidade intrínseca à figura de Chávez, há, em volta dele, todo um universo de desinformação até mesmo porque tudo o que nos chega dele vem mediado por uma imprensa que lhe é visceralmente contrária. (O filme War on democracy, panfletário em muitos sentidos, traz os bastidores desse processo.) E não acho que aqui cabe o argumento de que uma imprensa livre não pode compactuar com um presidente que usa de meios democráticos como os plebiscitos para se perpetuar no poder. Não vi ninguém choramingando, quando Álvaro Uribe, presidente colombiano mais próximo a uma política de fundo liberal, mudou a constituição para poder concorrer à reeleição em 2006 e, principalmente, quando tentou isso de novo esse ano. O que demonstra o predomínio de um certo conceito muito particular do que é ou do que não é democracia na imprensa latino-americana de um modo geral.

Em seguida, você aponta as razões para que o presidente se manifeste de modo genérico e abstrato: frouxidão ou vontade de silenciar um pensamento diferente. Primeiro, um medo  que põe em xeque o próprio teor da crítica não pode ser, já que você mesmo diz lá no seu email que “[e]xemplos não faltam. Dá pra processar a Veja toda semana.” Tampouco creio que seja um modo de silenciar as dissidências. Veja, por exemplo, o que o governo FHC fez durante seu mandato com a CartaCapital, uma revista que nunca rezou sua cartilha? Essa censura de fundo econômico – corte de publicidade federal – é muito mais eficaz e silenciosa. E, ao que me consta, o governo Lula anuncia mais na Veja do que na CartaCapital, que o apóia abertamente.

Além disso, as duas explicações que você dá são politicamente bastante enviesadas, pois não permitem saídas mais positivas da ação de Lula, que, a seu ver, ou é frouxo ou é autoritário. No entanto, considero que parte desse caráter genérico e abstrato das críticas do presidente aos meios de comunicação não pode deixar de levar em consideração um dado dos mais importantes: quem veicula suas críticas de Lula à imprensa é… a própria imprensa. Não há no Brasil um grande jornal de circulação diário de esquerda como há, por exemplo, na Argentina – o Página 12 –, que possa servir de contrapeso a um ponto de vista mais liberal. (Exceção feita à CartaCapital, que todos sabem como é tratada pelo resto dos meios de comunicação.) E o que impera nos jornais e revistas brasileiros é um jogo de comadre bastante hipócrita: na hora de se solidarizar frente às ameaças de um governo autoritário, todos os meios fazem parte de um conjunto muito nobre chamado de “imprensa livre”; mas na hora de criticar abertamente os abusos de cada veículo específico – e exemplos não faltam, basta a gente ficar na demissão de Maria Rita Kehl – prevalece um silêncio sepulcral. E é exatamente esse contexto social específico que impede que críticas específicas e concretas possam ser feitas de maneira aberta. (A internet tem tentado cumprir esse papel, mas lembre-se de como os blogues contrários à grande imprensa são chamados. Isso sem contar seu alcance, muito mais limitado.)

E, talvez porque seus argumentos vão enfraquecendo com o correr do texto, você acaba caindo num lugar-comum que, além de reproduzir o que você tanto critica – é genérico e abstrato – não é verdadeiro. Quando e onde você ouviu Lula ou qualquer outro membro do governo falando em “controle da mídia”? Num país em que Marcelo Madureira, Reinaldo Azevedo e Diogo Mainardi falam o que querem, na hora que querem, como bem querem do principal mandatário da nação, democraticamente eleito, eu me pergunto: que diabo de controle ineficaz é esse?

Por fim, você traz à tona, em duas ocasiões, FHC, ambas, a meu ver, problemáticas. Primeiro como um elogio à conduta democrática do mais ilustre sociólogo da nação (depois de Candido e Schwarz e Chico de Oliveira e…), que não interferiu na sua sucessão. Meu caro, se FHC não interferiu na sua sucessão não foi por falta de vontade, mas de oportunidade (seu ego só não é maior do que o de Lula). Com os índices de popularidade com que terminou seu segundo mandato, ele não esteve nas campanhas de Serra (2002 e 2010) e de Alckmin (2006) simplesmente porque seus correligionários queriam ver um dono de clínica de aborto estuprador de freiras, mas não o então presidente. E certamente não foi por apreço democrático – e não é que ele não o tenha –, mas porque o próprio FHC o colocou em suspenso, quando optou por mudar a Constituição (você se lembra se alguém disse que ele tinha uma sede desmedida de poder por causa disso?) para concorrer a mais um mandato. (E se há alguém que teria apoio popular para levar à frente um projeto de terceiro mandato – o que foi proposto por alguns imbecis, inclusive do PT –, esse alguém era Lula. E o seu respeito pela regularidade do processo ninguém parece levar em consideração.)

E, na outra referência a FHC, você concorda com uma crítica que ele faz a Lula:
"Na medida em que o presidente quer eliminar um competidor, liquidar, ele tem poder total. É autoritarismo isso. É uma tremenda vontade de poder, que se expressa dessa forma incorreta. Um presidente da República não pode fazer isso.”
(Bem, no que concerne ao uso da máquina pública pra fazer campanha política, não me resta nada a não ser me ajoelhar no milho e pedir perdão ao nosso senhor José Serra. Contudo, não consigo evitar a tentação de lembrar que, para que fosse eleito, FHC segurou artificialmente a paridade entre o real e o dólar – alegrando a classe média que então podia ir às compras toda semana em Miami –, quebrando o país no processo. Você se lembra se alguém reclamou?)

O problema da crítica de FHC não é a crítica em si, mas seus argumentos. Primeiro, um presidente da República que mudou as regras do jogo enquanto o jogando a um custo de não-se-quantos mil reais por congressista (fiquei com preguiça de procurar) vir me falar de vontade de poder e do que um presidente pode ou não pode fazer é duma hipocrisia quase do tamanho do seu ego.  Isso sem contar que ele descontextualiza a frase de Lula sobre a eliminação do DEM – excessiva, é verdade –, mas que tinha, como você gosta, um alvo específico e um motivo concreto: Jorge Bornhausen (não achei uma matéria do período).

Nesse sentido, pra mim, que quando jovem aprendi a mesma coisa sobre autoritarismo, não está nada claro que o grupo no poder queira eliminar qualquer fonte de crítica. Acontece que eu cresci e aprendi a distinguir, também, que um pensamento único disfarçado em pelo de cordeiro pode ser um risco muito maior à democracia. (Talvez tenha sido 1964 o ano que não terminou.)

Resposta a Pogrinho (parte 1 de 3)

Pois bem, começo agora uma série de três respostas – acho que são três mesmo, se for menos ou mais, mudo o título depois – que fiquei devendo a um grande amigo, Paulo Henrique Gomez, o homem que gostaria de ser chamado de “El Pogre”, mas que é conhecido em alguns pubs da Bela Vista por Paulo G.

Publico primeiro o email dele, que já não era tão particular mesmo – isso sem contar que, como bom leftista, ando violando a torto e a direito a correspondência sigilosa dos amigos –, e, como diria o mestre Reinaldo Azevedo, volto em seguida.

Email de 27 de setembro de 2010:

Concordo em princípio com o que você diz. Acho sim que a imprensa no Brasil é hipersensível, em parte por razões históricas (a memória da ditadura ainda é recente) e em parte porque é conveniente ser hipersensível (permite esconder partidarismos e fraudes intelectuais sob o manto da liberdade de imprensa).

O problema é que essa hipersensibilidade não tira o caráter absurdo de um manifesto genérico contra a "imprensa golpista" que está "castrando o voto popular". Acho totalmente razoável e, mais que isso, desejável críticas concretas a cada nota da imprensa que a pessoa, grupo ou partido julgue ofensivo, tendencioso, mentiroso etc. Exemplos não faltam. Dá pra processar a Veja toda semana.

O problema é a atitude típica de generalização e abstração de conteúdo. Exatamente o que foi feito pelos grupos que organizaram a passeata e o que vem sendo feito reiteradas vezes pelo Lula. Essa crítica genérica e abstrata à imprensa, principalmente quando vem de autoridade que tem o poder de delimitar a liberdade de imprensa, é um flerte perigosíssimo com o autoritarismo. E exemplos também não faltam. Ou vc não lembra da escalada de critícas genéricas à imprensa na Venezuela? Ou vc acha que lá é um país democrático e acha razoável e/ou coincidência fecharem todos os grandes veículos de mídia que não eram alinhados ao Governo Central? Aquela imprensa golpista!

Essa crítica genérica, abstrata, só pode ter duas explicações, ao meu ver: ou é frouxidão (medo de sofrer processo pela crítica que está fazendo àquele veículo determinado, o que já põe em dúvida a própria certeza de quem está criticando), ou é ação pensada pra descredenciar ou, em última instância, silenciar quem tem opinião diferente.

Esse ato e as palavras do Lula são muito mais severos, mais socialmente danosos, que qualquer dos comentários que vc transcreveu (mesmo o do Reinaldo Azevedo, que eu considero uma besta enfurecida). Quando o Presidente fala que "é um absurdo que alguns jornalistas falam e isso precisa ser controlado" ele está pavimentando o caminho para controle de opinião, ideia que ele já manifestou e defendeu mais de uma vez no passado. Quando um ex-presidente, que não está em campanha, que teve uma atitude de mínima interferência quando estava no poder e seu sucessor concorria, critica o presidente atual que tem um nível de interferência absurdo (ou vc não concorda que o Lula está escancaradamente fazendo campanha pra Dilma há uns seis meses, pelo menos) diz que o uso da máquina e da sua popularidade para eleger o sucessor, com poderes para esmagar o concorrente, é autoritarismo, isso é crítica a um comportamento determinado, não um atentado a uma instituição democrática.

Não concordo com a hipersensibilidade da imprensa, mas que está claro o interesse do grupo que hoje está no poder de eliminar fontes de crítica (que quando eu era mais novo aprendi isso como autoritarismo), pra mim está.

18 de outubro de 2010

E agora, Dilma?

Eu me considero, ao menos em termos políticos, uma pessoa pragmática, e o meu último post não me deixa mentir sozinho. Mas, mesmo sabendo que política não se faz com boas intenções, assim como tampouco pode ser apreciada pela pureza ideológica tão propalada pelos seus atores, não entendi o debate de ontem.

Primeiro, além de ter sido visivelmente chato, minha conexão estava péssima – não sei se por culpa da internet de que dispunha ou do número de acessos –, o que só tornou tudo um tanto mais insuportável. Mas, como dever cívico é dever cívico, estava lá, firme e forte.

Contudo, de todo o debate, o que mais me chamou a atenção foi: que diabos aconteceu com a Dilma da semana anterior? O que aconteceu com sua assertividade, que resgatou a sua campanha do limbo à qual o segundo turnou a levou e que deixou Serra visivelmente perdido? Marketeiros? Opinião pública? Ela própria? A quem se deve imputar a culpa dessa nova inflexão?

Não sei se ficou claro pra mais alguém, mas, na minha opinião de pseudo-analista político, está óbvio que Dilma funciona melhor quando dá vazão a um seu lado mais combativo. E, quando digo melhor, penso em todos os sentidos: seu raciocínio fica mais ágil, e ela consegue se colocar diante de Serra com mais facilidade – é só ver a ótima tirada do orelhão vs. banda larga do debate passado, que ela deixou passar nesse –; suas idéias, por incrível que pareça, ficam mais claras e suas fala, mais articulada – ontem, a Dilma serena se deixava enrolar por um tom que, a meu ver, não a agrada nem a favorece. Isso sem contar a idéia de espontaneidade.

O meu medo é que, ao menos aparentemente estancada a sangria de votos, o PT retorne à estratégia do primeiro turno: uma pretensa comparação racional de dois projetos políticos que, por si só, seria capaz de convencer o eleitor de qual foi o melhor dentre os dois oito anos – o de Lula ou o de FHC. (Uma estratégia que, embora pareça acertada – vide mais uma aprovação recorde do governo –, está assentada numa matemática que não fecha: os 80% de Lula significam, hoje, "apenas" 54% para Dilma.*) O problema é que, como bem disse Idelber Avelar, o terreno da fala serena e macia é de quem pode, pois já traz consigo uma hierarquia implícita, isso sem contar que, apesar dos avanços do PT, um discurso mais tecnocrata e apartidário, não mencionado o que traz de falacioso, ainda é um terreno mais confortável para o PSDB.

A ver o que acontece.
___________
* A idéia é de Valter Pomar, mas eu ainda não achei o link.

15 de outubro de 2010

Um passo atrás foi dado, resta saber quais serão os próximos

Hoje a esquerda brasileira sofreu uma das mais ridículas derrotas da sua história: Dilma assinou uma carta na qual se curva completamente à agenda conservadora e homofóbica das Igrejas Católicas e Evangélicas. O resultado, claro, foi um desânimo entre todos nós, eleitores históricos da esquerda exatamente por ela ter mantido sempre uma pauta mais progressista. E, como se não bastasse, um grande amigo, dos que mais admiro e respeito, com toda a razão, se indispôs comigo.

Ele está tão correto que, à primeira vista, nos resta catar as sobras da festa adiada e, na saída, pedir que o último apague a luz que é pra economizar energia. É verdade, os héteros não temos idéia do que deve ser viver num país homofóbico e das conseqüências dessa violência cotidiana para a vida de uma pessoa. Nesse sentido, como Felipe bem falou, ter que assumir publicamente uma postura conservadora para ganhar as eleições mina, sem dúvida, as reivindicações de qualquer causa mais progressita.

É verdade. É verdade, mas eu, hoje, não me sinto no direito de pular fora da campanha do PT por causa desse recuo. E o que é mais triste, me explico como quem pede desculpas, mas me explico assim mesmo.

Tenho, à minha frente, duas opções: na manhã de 1 de janeiro de 2011 vou acordar governado por José Serra ou Dilma Roussef. E, como não me é dada nenhuma outra possibilidade de escolha, é em um dos dois que vou depositar minhas esperanças pros próximos quatro anos, muitas das quais sairão frustradas, mas não todas – ao menos assim espero.

E algumas das minhas esperanças passam pela concretização das demandas do movimento gay, que hoje sofreu um abalo terrível. Me resta, contudo, duas perguntas. Seriam José Serra e seu vice, Índio da Costa – o mesmo que disse que se o PL 122 for aprovado só haverá liberdade de expressão para os gays – as melhores lideranças para pôr pra frente uma pauta de respeito aos direitos civis dos homossessuxais? Seria o PSDB e o DEM, hoje assentados no colo da TFP, do Ternuma, da banca ruralista e das Igrejas Católicas e Evangélicas, os partidos mais indicados para mobilizar a sociedade civil em prol daquelas causas? Eu não tenho dúvida de que não.

É verdade que hoje Dilma se vendeu ao diabo ao assinar aquela bendita carta, mas, ainda assim, penso que somente num seu governo essas propostas teriam a chance de ganhar fôlego. Primeiro porque, historicamente, o PT tem sido um dos partidos mais comprometidos na luta contra a homofobia – basta lembrar os avanços do PNDH 3 e que o PL 122, que o vice do DEM tanto critica, é de autoria de uma deputada petista, Iara Bernardi (PT-SP). Segundo porque, numa possível presidência de Dilma, os canais de diálogo desses movimentos com o governo seriam mais fáceis do que numa gestão do PSDB-DEM, dois partidos ensimesmados no mundinho encantado da Folha e da Veja e agora vigiados pelos grupos conservadores aos quais teve que se unir para chegar onde chegou.

A concessão me decepcionou, mas não me parece ser essa a hora da ruptura. E não romper, na minha opinião, não significa deixar em segundo plano a agenda dos direitos dos gays, como se ela fosse menos importante. Não romper significa, isso sim, não ter uma postura ingênua, segundo a qual as boas intenções e as verdades absolutas são as únicas possibilidades de defesa das causas que precisamos fazer andar. Se ignorarmos o contexto do país – machista, homofóbico, conservador – vamos ficar eternamente batendo a cabeça na parede sem movê-la do lugar. Prefiro me enlamear numa carta aos brasileiros, como a de Lula em 2002, que significou um recuo frente às principais demandas econômicas da esquerda, mas que tirou mais de 30 milhões de brasileiros da pobreza. Prefiro me envergonhar que Dilma seja eleita assinando uma carta estúpida como aquela, mas que, ao fim do seu mandato, possamos olhar pra trás e perceber que aquele recuo foi importante para que avanços mais significativos e mais duradouros pudessem ser implementados. Avanços esses que, se nós nos prendermos à pureza ideológica, jamais seremos capazes de concretizar. Ilusão e idealismo não melhoram a vida de ninguém.

Encerro parafraseando e mudando uma frase do NPTO: “O que eu realmente queria era que todo mundo que acompanhou essa luta de vinte anos amanhã fosse votar pensando que, de besteira em besteira, de crise em crise, de decepção em decepção, [PODE DAR] CERTO, PORRA!

13 de outubro de 2010

Os diversos significados de agressividade

Espero que essa história absurda do aborto assumir um papel tão importante na campanha presidencial tenha sofrido um abalo com o – quase – impecável editorial do Estadão de segunda. (Por que  será que Reinaldo Azevedo não recomendou sua leitura?) Ali é exposto, sem meias palavras, todo o obscurantismo da situação: assumi-lo como uma forma de chegar à presidência significa fazer um pacto com o que há de mais conservador na sociedade brasileira. Gostaria muito de que a classe média, a qual gosta de se ver como esclarecida e moderna, arejasse o ambiente e relegasse esse debate para o lugar que lhe é devido: uma discussão mais ampla entre diversos setores da sociedade civil, as instituições que lidam diretamente com a questão e os setores religiosos. (Infelizmente isso ainda parece vai levar algum tempo pra acontecer como se percebe por essas duas matérias da Folha: aqui e aqui.)

Infelizmente, o Estadão não radicaliza seu argumento, pois isso significaria criticar diretamente a José Serra, candidato que abertamente, o que é muito bom, apóia. Serra incorporou o discurso pró-vida de tal forma que, às vezes, ele quase me soa como se fosse o porta-voz do Vaticano. Agarrou-se a essa idéia – me pergunto se sem medir suas conseqüências? – como uma maneira de tirar votos importantes de Dilma entre os setores evangélicos, compostos, em sua grande maioria, das camadas mais pobres da nossa sociedade, um eleitorado, ao menos em tese, mais propenso a optar por uma seqüência do governo petista.

(Resta mesmo saber se foram esses setores os grandes responsáveis pela surpreendente ascensão de Marina. Rezo pra que não tenha sido, o que mostraria um certo grau de amadurecimento da democracia brasileira.)

Contudo, o que mais me chamou a atenção foram as reações à direita (Lamounier, Kramer, Azevedo e Constantino) em relação à postura de Dilma no debate da Band. Há uma certa deslegitimação do tom – chamaremos de agressivo, só pra ficar dentro desse universo semântico –  assumido pela candidata petista no último domingo. Num certo sentido, o que a direita comemora é uma aposta no sentimento de repulsa que a boa e velha cordialidade brasileira – aqui entendida no seu sentido mais prosáico – sempre sentiu em relação a uma discussão mais contundente.

O problema para essa direita é que, se a sociedade brasileira estiver mesmo passando por um conjunto mais profundo de transformações por que parece, a agressividade de Dilma pode deixar de ser lida como ruptura com um decoro subserviente, passando a incorporar o tom de reivindicação de que uma minoria ascendente precisa se valer para disputar um lugar ao sol que até então lhe fora negado.

Assim, a “verdadeira” Dilma – “hostil”, “deselegante”, “emocionalmente despreparada”, “violenta, “destemperada”, segundo os olhos daqueles analistas –, que se revelou a todos na noite de domingo, assume ao menos uma das características que as elites mais temem naqueles que lhes contestam os lugares que julgam seus por direito: a capacidade de erguer a cabeça, impostar a voz e dizer, num tom que se faça ouvir, que, para subverter as hierarquias construídas ao longo de muito tempo, é necessário, antes de tudo, se impor. (Será que eles sentem saudades do poste?)

Em tempo, na entrevista que O Globo fez com Carlos Araújo, ex-companheiro de Dilma, a imagem que nos surge é, se não oposta, completamente divergente no juízo de valor.

12 de outubro de 2010

Nada como uma noite mal dormida para corrigir uma injustiça

Meu problema com as noites mal dormidas não diz tanto respeito ao sono perdido. (Quer dizer, como bom baiano, claro que diz. Mas sono perdido eu já consigo recuperar sem maiores culpas.) O mais chato é ficar rodando na cama com uma idéia fixa na cabeça.

Pois bem, lá pras tantas, quando já não conseguia mais dormir, a idéia que mais me perseguia era a de que havia cometido uma injustiça com meu amigo Renato. Usei-o como mote para escrever algo que precisava dizer a mim mesmo. Disso não me arrependo. Me arrependo, isso sim, de não lhe ter dito que seus emails mais delirantes são, pra mim, algumas das melhores coisas suas que li: fáceis, inteligentes, criativos,  instigantes, engraçados. Muitas vezes – quase todas talvez fosse ainda mais honesto – esses seus emails me faziam pensar – e querer produzir uma resposta à altura – de um jeito que seus outros textos, mais bem acabados, não me faziam.

Injustiça corrigida. (Será que eu consigo dormir de novo?)

Um mea culpa pra instigar a culpa dos outros

Queria escrever sobre a recepção do dabete de ontem, mas dois emails de um grande amigo me fizeram mudar de idéia. Aproveito, então, para responder – e provocar – abertamente a Renato, que há quase dois meses, quando instigado por mim a disponibilizar neste blogue alguns dos emails que trocamos, escreveu (e peço desculpas pra postar algo privado, mas provocação é provocação):
"Ah, porque nem sei não. No emeio primeiro rola mais espaço pra delírio, o que levaria à lona a minha credibilidade em público, no blogue".
(E como a crítica que faço a Renato é a mesma que faço a mim, passo à primeira pessoa.)

Tenho um sério problema – na verdade, tenho vários, mas como já gastei fortunas de psicólogo, fico em apenas um –, o meu ego é esquizofrênico: ele é, coitado, ao mesmo tempo, inflado e  murcho. A questão é que, ambos os egos, mesmo quando um consegue prevalecer sobre o outro, acabam me levando para um mesmo lugar: o silêncio.

Me explico: quando meu ego está mais inflado, me sinto na obrigação de escrever, como Renato diz, artigos de fundo; artigos cuja capacidade seria a de ir além do rés-do-chão da política cotidiana, desvelando uma característica mais estrutural sobre o tema a que me dedico. E como, até hoje, não fui capaz de escrever nenhum artigo assim, me encolho mesmo quando me sinto intelectualmente capaz. (Quanto ao ego murcho, é mais do mesmo.)

O problema é que, com o desenrolar dos acontecimentos políticos no Brasil, me sinto na obrigação de começar a intervir. Resta saber como. Este blogue sempre foi um exércicio de escrita restrito a poucos amigos, lido por menos gente ainda. E me parece que esse não é bem o tempo de continuar a brincar de escrever.

A solução que eu pensei para poder me tornar mais atuante foi a de embarcar na onda das correntes de email. Mas, ao invés de ficar apenas repassando coisas pra cima e pra baixo, gostaria de ter um público alvo bem específico: a) a lista amigos de classe média alta de meu irmão – que, além da quantidade considerável, são, mais das vezes, conservadores e politicamente pouco atuantes –, b) a lista de emails de minha mãe – que, embora me pareça mais progressistas, pode contar ainda com uns indecisos cujo voto é importante – e, por fim, c) minha própria família – um clã onde há de tudo um pouco e muito de nada. (Não vou ser hipócrita de dizer que sou capaz de escrever para um público mais amplo, porque, ainda que quisesse, não sou. Esse é meu cadinho, e é atrás desses votos que eu pretendo ir.)

Mas, nem bem comecei, e meu ego já me boicotou. Esbocei um email cheio de razão, com números e argumentos que me pareciam incontestáveis. São os velhos resquícios da minha ilusão iluminista, a de que, com um bom texto, vou ser capaz de esclarecer a mente dos incultos e mostrar-lhes o caminho. Cada vez mais tenho pra mim que já passou da hora de descer do pedestal. O exercício, agora, não deve ser mais tão pretensioso. Tenho que abrir espaço pro meu próprio delírio, dar vazão a uma escrita menos centrada na minha vaidade de analista, mesmo que isso custe uma credibilidade que julgo ter, ainda que não saiba frente a quem.

Espero que esse post seja um primeiro passo.

11 de outubro de 2010

E agora, José?

Não vou mentir que, logo quando começou o debate da Band, pensei no clima de derrota que tomou parte da esquerda, quando os resultados das urnas não foram os esperados. Dilma estava completamente perdida. O tom era mais agressivo, como parte da sua militância vinha pedindo, mas o conteúdo era inarticulado. Já Serra, político de tantos debates, parecia ter o completo controle da situação. Sereno, confiante, sua fala saía com uma naturalidade que fazia jus à sua tão propalada experiência.

Mas talvez tenha sido esse o seu erro: excesso de confiança. O mantra tantas vezes repetido ao longo desse ano eleitoral – o de que é um candidato cuja biografia é tão mais completa que fala por si mesma –, subiu à cabeça do ex-governador de São Paulo. É bem verdade que não houve empáfia, mas a estratégia de manter o tom sereno de político calejado que não elevaria a voz porque isso é coisa de gente sem argumento não ajudou muito a Serra.

Dilma, então, conseguiu inverter o jogo exatamente no momento em que parecia cair na gaiola tucana. Ao apostar num tom enfático, ela, primeiro, se descola completamente da idéia de poste político de Lula. Espero que tenha ganhado confiança suficiente para começatr menos nervosa o próximo debate. Segundo, mostra-se indignada com os rumos grotescos que a campanha política tomou. Foge a uma determinada postura que me incomodava há tempos: a de que não lhe dizia respeito se o mundo lá em baixo estava pegando fogo. Terceiro, anima a militância, um tanto estremecida depois do primeiro turno.

E, mais importante, pautou a próxima semana: voltou reiteradas vezes ao aborto – jogando a mulher de Serra no fogo, que ele deixou queimar sozinha –, além de colar-lhe a pecha de condutor das privatizações da era FHC, da qual ele vai ter que correr como o diabo da cruz. (Incrível, mas o homem chegou a falar em reestatização, o que é uma heresia para os profetas do livre mercado que tanto o defendem. Fico imaginando se a Veja daria uma capa com um polvo do PSDB afundando uma plataforma marítima?)

Parece ter voltado à mesa, com mais força, o plebiscito que Lula tanto queria. A campanha do PSDB já sinalizava que FHC não seria mais estigmatizado como fora. Ótimo para o PT, e Dilma valeu-se muito bem dessa postura. Serra parece não mais querer escondê-lo, mas, na hora das comparações, não pode se colocar como um homem de oposição acirrada, de mudança de rumos, o que cria um discurso que me soa um tanto esquizofrênico. Espero que a campanha de Dilma se aproveite, como ela fez muito bem essa noite, ainda mais dessa encruzilhada tucana.