Uma amiga me mandou, hoje pela manhã, uma notícia, digamos, inusitada. Dois passageiros de um vôo que saía de Dulles International Airport – próximo a Washington, DC – rumo a Gana, trocaram tapas à bordo. Acho que a notícia chamou atenção pela confusão que se armou: o piloto decidiu retornar ao aeroporto, o que fez escoltado por dois caças F-16 da força aérea norte-americana, depois de despejar uma parte considerável dos seus mais de 60.000 litros de combustível. O preço do combustível, por aqui por volta de R$ 1,80 o litro – caríssimo para os padrões locais – e ameaças aéreas dão bem a dimensão de algumas das maiores preocupações dos EUA. De minha parte, o que mais me estarreceu foi o motivo da confusão: “O que a iniciou? Um assento reclinável que invadiu o ‘espaço pessoal’ de outro passageiro” [em tradução mais do que livre].
O que signigica “espaço pessoal” num avião comercial? É verdade, se pensarmos nos vizinhos do lado, há sempre aquele incômodo em dividir o braço da cadeira. De resto, o “espaço pessoal” está muito bem delimitado pelas dimensões físicas da poltrona e pela distância que as separa, calculado aí o grau de reclino de cada assento, o mesmo para todos, o que não é grande coisa. Esse espaço, por sua vez, está diretamente ligado às condições financeiras de cada passageiro: quem tem mais dinheiro compra espaços maiores e voa mais confortavelmente; quem não tem, se espreme na classe econômica. Essa é uma espécie de contrato que está muito bem definido no momento da compra da passagem.
Nesses termos, a insatisfação não tem origem na ação do seu vizinho de frente, cujo direito de reclinar a poltrona está assegurado pelo contrato que rege as relações de todos os passageiros que viajam na mesma classe. A insatisfação tem sua origem, isso sim, nos espaços cada vez menores que as companhias aéreas disponibilizam com o intuito de maximar os lucros, a despeito do conforto dos seus clientes.
Posso estar extrapolando, mas, na minha opinião, o que se encenou à bordo do vôo para Gana foi a lógica das relações sociais no EUA pós-2008. Esmagada por uma crise que roubou alguns milhões de postos de trabalho e derrubou sua renda, a classe média norte-americana, na impossibilidade – ou incapacidade? – de mudar as regras de um contrato algo desconfortável, se volta para seu vizinho e vê nas ações dele a razão do seu aperto. Daí à agressão é só um passo que a belicosa sociedade americana muitas vezes não se recusa a dar.
Me pergunto se tinha alguém reclamando na primeira classe?
Errata: Com as devidas desculpas, a matéria me foi enviada por uma amiga, Bia, e não por Luiz Carlos, como erradamente pensei.
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