10 de julho de 2010

O eleitor não é um Homer

A aprovação do Ficha Limpa teve recepção das mais positivas, variando do elogio protocolar, de flerte com a hipocrisia, até as mais otimistas, quando não ingênuas, comemorações. Mas teve também quem atentasse para uma dimensão em média menos percebida: impedir que alguém se candidate se tiver ficha corrida de corrupção ou algo afim é também duvidar da capacidade de os eleitores decidirem por eles mesmos. Em nome da democracia, desconfia-se do discernimento do povo para exercê-la pelo voto: com o fim de resgatar a credibilidade das eleições, seria então preciso desmoralizar um de seus princípios de funcionamento e validação.

Como resposta, alguém poderia dizer: ora, todo mundo tem capacidade de votar, mas isso só se desenvolve plenamente dentro de algumas condições, entre elas o acesso a informações de qualidade. E, em nosso país, os desequilíbrios nesse campo vêm de todo lado: a começar pela educação, mas também passando pelas diferenças de acesso aos variados veículos jornalísticos.

Quanto a estes, uma pesquisa da Secom da Presidência traz algumas informações interessantes. Para 2/3 dos brasileiros, a TV aberta é o principal meio de comunicação, e 69% a consideram o mais confiável. Com o histórico que temos de distribuição de concessões públicas por politicagem, a altíssima concentração de propriedade na área, a péssima educação pública, como confiar no discernimento do pobre cidadão médio, reduzido a um Homer Simpson com tudo para ser marionete?

Só que, se o pretenso Homer não é nenhum Descartes, também tem seu quinhão de desconfiança: 72% acreditam muito pouco e 7% não acreditam nada do que diz a mídia. É, 80% sabe relativizar bastante o que lê ou vê por aí. Engraçado que até – ou sobretudo? – entre gente sabida impera a imagem do telespectador passivo, o zumbi abestalhado e hipnotizado pelas gigantes midiáticas.

A eleição de 2006 poderia ter sido uma lição para muita gente. A população, aparentemente, se indignou sim com o “mensalão”, tanto que a popularidade de Lula caiu. Mas também terá, quem sabe, percebido as realizações do governo e, talvez mais ainda, deu-se conta de que do outro lado estava não um mensalão, mas quinhentos anos de história de pouco apreço pela coisa pública (um quinhentão). E Lula foi reeleito. Isso a despeito de verdadeiro massacre midiático, em níveis que, nos piores casos, beiravam o golpismo à Venezuela.

Fica a esperança de que, com ou sem Ficha Limpa, e apesar da concentração de propriedade dos meios de comunicação, o eleitor médio tenha muito mais discernimento do que muitas vezes se pensa.

2 comentários:

Lucas Falcão disse...

"Isso a despeito de verdadeiro massacre midiático, em níveis que, nos piores casos, beiravam o golpismo à Venezuela."

Você não quer dizer golpismo à Hugo Chávez?

A propósito, Felipe, qual é o seu parecer sobre a suposta discreta participação de Lula e Celso Amorim na negociação para libertação dos dissidentes políticos de Cuba?

Felipe Leal disse...

Ainda que seja uma mentira deslavada que o Brasil tenha tido mérito na libertação, pra mim isso seria menos oportunista e menos hipócrita do que meter o pau em Cuba e se calar quanto às violações de direitos humanos na China e na prisão de Guantánamo.