31 de maio de 2010

A temível “esquerdização” da política externa

A política externa talvez ganhe destaque nessas eleições. Como o governo Lula nessa área tem posições esquerdistas muito mais marcadas do que na política interna (por exemplo, quanto a Chávez), a oposição tenta fazer disso um trunfo, apostando nos “eu-tenho-medo” da vida. É o que Serra aparentemente faz com o discurso sobre o corpo mole da Bolívia no combate à cocaína, de quebra transformando a discordância política em cruzada anti-drogas.

Isso poderia até funcionar há algum tempo, mas hoje a história parece ser outra. É o que aponta um bom artigo de Marcos Coimbra na Carta Capital desta semana. Eis um trecho:

“Em vez de perceber qualquer problema na ‘esquerdização’ da política externa, a opinião pública vê a atuação do governo e, especialmente, de Lula nas relações internacionais como um de seus maiores trunfos. Nenhum presidente recebeu, antes dele, tanto destaque nesse campo.

Nas pesquisas qualitativas feitas atualmente, o que se encontra é uma sensação de orgulho do cidadão comum pelo que avalia ser um crescente reconhecimento internacional do Brasil, seu governo e sua economia. Predomina a visão de Lula como um presidente que busca e consegue acordos com outros países, favoráveis aos interesses nacionais. Simplesmente não se ouvem ecos do que a grande imprensa publica. Conciliação, bom senso, entendimento, afirmação nacional, é com palavras como essas que as pessoas caracterizam a política externa”.

Primeiro, foi Serrinha paz-e-amor, e Dilma continuou subindo nas pesquisas. Agora enfim aparece um tom mais oposicionista, e parecem escassas as chances de sucesso. Não é à toa que surge a ideia de decidir as eleições nos tribunais.

30 de maio de 2010

Serra: uma charge, dois conselhos

Do sempre imperdível Angeli, na Folha de hoje:

Do twitter de Celso R. de Barros:
“Conselho aos serristas (1): deixem o assunto Bolívia morrer. Não justifiquem, não prolonguem. Mudem de assunto.”
“Conselho aos serristas (2): usem o Reinaldo como o George Constanza de vocês. O que o gut feeling dele sugerir, façam o contrário.”
“Os conselhos são de coração. Mesmo. Sem sacanagem.”

Nordestinos: “aquela coisa de preconceito”

Não conheço direito o programa Legendários, com Marcos Mion, mas achei boa essa reportagem sobre a discriminação contra nordestinos no Rio e em São Paulo.

O cara que reage “Mas é aquela coisa de preconceito, né?” é o que adiante cede frente ao argumento “Pra mim é uma questão de higiene”. Precisa-se mais ou menos desse tanto pra que a maquiagem do politicamente correto desvaneça.

O discurso preconceituoso parece envolver raciocínios assim: foi por mérito próprio que o sudeste se desenvolveu mais do que o nordeste, logo temos mais direito a colher os frutos do desenvolvimento, e os imigrantes não deixam de ser algo como ladrões, ou ao menos invejosos.

Suponhamos que fosse possível nesse caso considerar o crescimento econômico sem a mão de obra barata  do imigrante. Que dizer do restante? Obviamente, tem uma premissa escondida aí, que vale a pena analisar (não briga com o pseudo-filósofo aqui, Cerqueira), a de uma espécie de direito natural à herança do esforço dos antepassados. O sujeito muitas vezes não contribuiu com coisa nenhuma pra esse desenvolvimento de que se orgulha, e se acha muito com razão de usufruir mais de suas benesses porque… nasceu no lugar certo, o que - teses sobre vidas passadas à parte – não costuma depender de empenho individual.

Nas “discussões” sobre as cotas, a medida do desempenho feita pelas provas traveste-se de milimétrica auferição de mérito, não importa de que condições cada candidato partiu. O apego à meritocracia, contudo, relativiza-se tão logo esteja em jogo qualquer perda de privilégios.

Algo disso também pode ser visto no futebol. É claro, os salários são fora da realidade, há todo tipo de maracutaia, etc. Mas em muito da crítica feita às ferraris e mansões dos jogadores, não está também um torcer de nariz por sujeitos “sem classe” estarem por cima? E, digam o que disserem do marketing e dos medalhões, o motivo pra os jogadores brasileiros serem em sua maioria “de origem pobre” é que a seleção, nesse caso, é meritocrática (teses dunguísticas à parte, alguém talvez diria).

Não se trata de incoerência, mas de outra forma de coerência.  Os posicionamentos não precisam combinar-se entre si; importa é não haver contradição entre os interesses e as opiniões, cada uma tomada individualmente.

29 de maio de 2010

O “hack” e a récua

De uns tempos para cá, tem crescido a tendência de instituições e governos disponibilizarem informações sobre gastos públicos na Internet. No caso do governo federal, a CGU parece ter avançado bastante com o Portal da Transparência. Ocorre que os dados podem ser de difícil compreensão. A Transparência Brasil faz reportagens explorando esses dados e muitas vezes consegue pautar os jornais.

Descobri hoje, pelo blogue trezentos, que agora tem gente simplesmente organizando as informações de forma mais acessível, um tipo de “hack”. Eis um exemplo, a prestação de contas da Câmara Municipal de São Paulo.

prestação

Podemos ver aí (não precisa apertar os olhos, clica na imagem) que quase a metade dos recursos foi para “Composição/Arte/Diagramação”, ou seja, empresas gráficas, e “Despesas de Correio”, num total de R$3,5 mi. Não dava pros vereadores fazerem, sei lá, blogues?

27 de maio de 2010

A propaganda e os democratas programáticos

Acabo de ver o programa “partidário” do DEM, dedicado a divulgar o discurso de lançamento da candidatura de Serra. A campanha eleitoral, ao menos legalmente, ainda não começou. E propagandas assim, pela lei que regulamenta os partidos, deveriam servir para difundir programas partidários e a posição do partido em relação a “temas político-comunitários”, atividades relacionadas ao programa e - isto entrou no ano passado - promover e difundir a participação política feminina. Daí ser vedada “a divulgação de propaganda de candidatos a cargos eletivos e a defesa de interesses pessoais ou de outros partidos”. Por conta da destinação e da proibição, esse uso distorcido  da propaganda, bastante difundido, vive sendo questionado, seja por adversários, seja pelo Ministério Público. Parece que o PT já se movimenta para recorrer à Justiça quanto a esse trailer do que será a campanha de Serra.

Claramente, é questão de cálculo de benefícios: se houver condenação, perdem-se  somente os direitos de transmissão da propaganda partidária, e apenas no… semestre seguinte. Nesses meses pré-eleitorais, quem se preocupa com não poder divulgar questões programáticas, e ainda por cima no semestre que vem?

Recentemente o PT também usou de sua propaganda para promover Dilma. Isso, claro, gerou as mais apaixonadas e insuspeitas defesas de nossas instituições democráticas, que Lula e seu partido insistiriam em desrespeitar. Juntem-se aí as multas aplicadas ao presidente pelo TSE, e pronto: os mais animados já falam até em tirar a candidata do jogo pelos tribunais. Serra era então aquele democrata que teria demorado a entrar na “corrida eleitoral” para não misturar seu papel de governador com o de candidato. Um estadista. Enquanto Lula zombaria dos tribunais e do princípio da igualdade perante a lei, numa imagem construída por meio de factóides e sem análise alguma do que marca a relação de seu governo com o Judiciário e o Ministério Público. Quase eu ia dizer aqui: a partir de agora, será preciso mais cara de pau para continuar esse discurso. Me arrependo: já era necessária toda cara de pau do mundo muito antes disso. Reinaldo Azevedo elogiou o programa do DEM, preocupando-se com sua eficiência apenas, e criticou a “histeria legalista seletiva” do pessoal do PT. Quem quiser que entenda.

Não quero apenas dizer: “Ah, os demo-tucanos falavam do PT, e olha eles aí fazendo a mesma coisa”. Esse tipo de argumento tem algo de deprimente. Se não é para acreditar que existem diferenças entre uns e outros, melhor seria anular o voto – e tentar emigração para a Suécia, Nova Zelândia, sei lá.

Até porque eles não fizeram a mesma coisa, fizeram melhor. Ironicamente, um dos blocos da fala de Serra no programa termina com ele dizendo algo como “A lei deve ser igual para todos! Ninguém está acima da lei no Brasil!”, isso numa propaganda em que se zombava da lei por cálculo político. Que requinte, hein?

Enfim, cai de vez a máscara, e a propaganda que vi hoje apenas mostra como ela era insustentável.

*Pequeno adendo (adicionado em 28/5/10)

Hoje vejo um post do blog de Josias de Souza tratar da propaganda do DEM. Em determinado momento, o colunista da Folha comenta:

“Na sucessão de 2010, segundo jurisprudência criada pelo PT, propaganda partidária tornou-se peça de campanha.”

Falta memória ou é má vontade? Há tempos que os partidos fazem esse uso da propaganda gratuita. Fico só em dois exemplos.

Em 22 de maio de 2007, o TRE de São Paulo cassou um minuto na propaganda partidária do PSDB por promoção pessoal do candidato à presidência Geraldo Alckmin em 2006.

Já o DEM teve, em 27 de setembro de 2007, 18 minutos de sua propaganda cassados pelo mesmo TRE-SP. O motivo? As inserções do partido promoviam a candidatura de Gilberto Kassab às eleições.

10 de maio de 2010

Mais do mesmo

Que a oposição anda meio sem discurso, qualquer pessoa que freqüente a blogosfera já percebeu. A última de Serra é ótima. Em entrevista à rádio CBN, o candidato do PSDB se definiu “de esquerda”, quem sabe seguindo uma deixa de Caetano Veloso, que, numa sacada genial, viu o que ninguém mais foi capaz.

Talvez seja essa a razão porque algumas das críticas que se tem feito a Dilma tenha esse gosto de comida requentada. (E, percebam, não ignoro que comida requentada tem lá o seu sabor muito peculiar. Eu mesmo tenho uma certa predileção por feijoada dormida, mas isso é outro assunto.)

Lê-se hoje, por exemplo, no blog de Josias de Sousa que

“A oposição pergunta: Que feitos produziu a preferida de Lula para justificar a promoção?

A mesma oposição responde: Dilma ainda não deu ao país nenhuma realização palpável.”

Ignoremos o fato de que o respeitável jornalista encarna tanto a voz que pergunta quanto a que responde. É só mais um exemplo do papel que cabe a parte da mídia nessas eleições. Mais interessante, ao menos para o que pretendo agora, é levantar uma outra questão: a da inexperiência política da candidata do PT – ou do presidente Lula, como se repete a torto e a direito por aí.

Ao ler o blog do Josias, hoje pela manhã, me lembrei imediatamente de Patrícia Daniela, uma amiga do segundo grau. Aqueles eram outros tempos, quando ainda me dava ao trabalho de fazer campanha política abertamente. Pois bem, num desses momentos pré-eleitorais, em meados de 2002, perguntei a Paty o porquê de tamanha resistência a votar em Lula, ao que ela me respondeu: não votaria no então candidato do PT simplesmente porque ela nunca o havia visto governar, portanto não tinha como avaliá-lo.

O argumento não deixa de ter sua validade, mas ele tem lá os seus problemas. Primeiro, havia, sim, uma resistência ao que ela via como a empáfia de um metalúrgico sem formação acadêmica de querer governar a nação. Segundo, e isso eu me lembro de ter falado com ela, se experiência política fosse tão determinante assim, talvez devêssemos votar em ACM, cujo currículo eleitoral era bastante consistente.

Oito anos depois, com todos os erros e acertos de seu mandato, Lula deu provas suficientes de que, embora a experiência política seja importante, não é ela o que determina o sucesso ou o fracasso de um governo. Meus conhecimentos dos meandros da política são irrisórios, é verdade, mas me parece que esse culto à figura do presidente é um tanto pernicioso. É melhor eu me fazer mais claro: não estou dizendo que qualquer um pode ser presidente da república. Estou dizendo que, não sendo um ditador, ninguém governa sozinho. (Talvez nem esse o faça, mas pelo menos encarna a figura do faz-tudo.) Tão importante quanto aquele que é o primeiro mandatário da nação, é a equipe que ele convoca para assessorá-lo, para pôr em andamento um programa político sólido. E todos sabemos que foi exatamente nesse ponto em que o governo Lula mais acertou e mais fracassou.

Assim, meu grande medo em relação a um futuro governo Dilma tem pouco a ver com sua experiência, mas com o espaço que o PMDB dos Temers, dos Calheiros e dos Sarneys vai ter ao seu dispor. Do mesmo modo, temo o que seria um governo Serra, que conta com o apoio de um partido tão nefasto como o ARENA, perdão, PFL, desculpa, DEM. Mas isso não parece incomodar ninguém mais.

As críticas requentas, contudo, não param por aí. Uma outra que me tem tirado mais a paciência do que o meio campo do Vitória é a da radicalização do PT. Em fevereiro desse ano, a Veja levantou a bola:

“Lula logrou conter o ímpeto dos radicais, dando-lhes cargos periféricos e gordas verbas em troca de obediência canina. Dilma, se eleita, conseguirá?”

É impressionante. Quem se lembra da capa da mesma revista, publicada em 23 de outubro de 2002?

Veja

Antes era o preço pelo silêncio. Hoje, a inabilidade política de Dilma para controlar a radicalidade do partido. Oito anos de diferença, e a retórica do medo persiste. Uma idéia infundada, que alimenta o discursos de alguns dos setores mais conservadores do país. Me refiro, mais especificamente, a Reinaldo de Azevedo, com muito mais leitores, e a Walter, companheiro de um outro blogue, que não se cansa de nos mostrar as mazelas de um regime esquerdopata. E, aqui, tudo, absolutamente tudo o que o governo faz nada mais é do que uma manifestação de sua tendência stalinista e antidemocrática. Tendência essa que apenas alguns poucos eleitos têm a capacidade de perceber e a obrigação de nos fazer ver.

Pois bem, na ausência de um discurso que lhe seja próprio – em parte porque a pseudoesquerda, nas palavras sempre sábias de Josias de Sousa, lhe roubou uma parte considerável do seu programa político –, a direita brasileira tem requentado algumas das suas críticas a Lula. Espero, sinceramente, que o alcance dessas críticas seja o mesmo de 2002: a mesma lata de lixo de onde elas vieram.